terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Dan Brown, O Código da Vinci

Prólogo

Museu do Louvre, Paris
22:46

O renomado curador Jacques Saunière percorreu cambaleante a arcada abobadada da Grande Galeria do museu. Lançou-se de encontro à pintura mais próxima que enxergou, um Caravaggio. Agarrando a moldura dourada, o homem de 76 anos puxou a obra-prima para si até despencar para trás, arrancando o quadro da parede e caindo de qualquer jeito por baixo da tela.
Como havia previsto, um portão de ferro desceu, com grande estrondo, ali perto, lacrando a entrada do conjunto de salas do gabinete. O assoalho de parquê tremeu. Bem distante, um alarme começou a soar.
O curador ficou ali deitado um instante, arquejante, avaliando a situação. Ainda estou vivo. Rastejando, saiu de baixo do quadro e esquadrinhou o ambiente cavernoso, procurando onde se esconder.
Uma gélida voz soou, assustadoramente próxima.
- Não se mexa.
De quatro, o diretor paralisou-se, virando a cabeça devagar.
A apenas cinco metros, diante do portão lacrado, a silhueta monstruosa de seu agressor espreitava-o por entre as barras de ferro. Era espadaúdo e alto, pele branca como a de um fantasma e cabelos também brancos e ralos. As íris eram rosadas, com pupilas vermelho-escuras. O albino sacou uma pistola do casaco e, passando o cano entre as barras, apontou-a diretamente para o diretor.
- Não devia ter fugido. – O sotaque dele era indefinível. – Agora me diga onde está.
- Eu já lhe disse – gaguejou o diretor, ajoelhado e indefeso no chão da galeria. – Não faço a menor ideia do que está falando!
- Mentira sua. – O homem estava perfeitamente imóvel, a não ser pelo brilho de seus olhos fantasmagóricos, cravados em Saunière – Você e sua fraternidade possuem uma coisa que não lhes pertence.
O curador sentiu uma torrente de adrenalina na circulação. Como era possível que ele soubesse disso?
- Esta noite ela voltará para as mãos dos guardiães corretos. Diga-me onde está escondida, que pouparei sua vida. – O homem ergueu a arma até a altura da cabeça do curador. – É um segredo pelo qual o senhor morreria?
Saunière não conseguia respirar.
O homem inclinou a cabeça, fazendo mira.
Saunière levantou as mãos.
- Espere – disse, devagar. – Vou lhe contar o que precisa saber. – O curador pronunciou as palavras seguintes com imenso cuidado. Havia ensaiado várias vezes a mentira que contou... rezando a cada vez para jamais ser obrigado a utilizá-la.
Quando o curador terminou de falar, o atacante sorriu, pretensioso.
- Sim, Foi exatamente isso o que os outros me disseram.
Saunière encolheu-se. Os outros?
- Eu também os encontrei – disse o gigante, sarcástico. – Todos os três. Confirmaram o que acabou de me dizer.
Não pode ser! A verdadeira identidade do curador, assim como as de seus três guardiães, era quase tão sagrada quanto o segredo antiqüíssimo que eles protegiam. Saunière agora percebia que seus guardiães, seguindo à risca os procedimentos, haviam contado a mesma mentira antes de morrerem. Fazia parte do protocolo.
O atacante tornou a mirar.
- Quando o senhor tiver morrido, eu serei o único a saber a verdade.
A verdade. Em um instante, o curador percebeu o verdadeiro horror da situação. Se eu morrer, a verdade se perderá para sempre. Instintivamente, procurou se proteger, desajeitado.
A arma explodiu, o diretor sentiu um calor escaldante quando a bala se alojou em seu estômago. Caiu para a frente... lutando contra a dor. Vagarosamente rolou de barriga para cima e lançou um olhar vidrado ao seu atacante, do outro lado das barras.
O homem agora estava mirando direto a cabeça de Saunière.
Saunière fechou os olhos, os pensamentos transformados em uma rodopiante tempestade de medo e arrependimento.
O estalido de uma arma sem munição ecoou pelo corredor.
Os olhos do diretor se abriram.
O homem olhou de relance para  a arma, parecendo quase achar graça. Pegou mais um pente, mas depois reconsiderou, olhando com um sorriso calmo para o sofrimento de Saunière.
- Já cumpri meu dever aqui.
O diretor olhou para baixo e viu o buraco de bala na camisa de linho branco, rodeado por um pequeno círculo de sangue alguns centímetros abaixo do esterno. Meu estômago. Quase cruelmente, a bala havia deixado de lhe atravessar o coração. Por ser veterano da Guerra da Argélia, o diretor havia presenciado mortes horrivelmente lentas antes. Durante 15 minutos, ele sobreviveria, enquanto os ácidos do estômago lhe penetravam a cavidade peitoral, envenenando-o lentamente por dentro.
- A dor é boa, monsieur - disse o homem.
Depois se foi.
Sozinho, Jacques Saunière voltou outra vez o olhar para o portão de ferro. Estava preso, e as portas não se reabririam em menos de 20 minutos. Quando alguém conseguisse alcançá-lo, ele já estaria morto. Mesmo assim, o medo que agora o assaltava era muito maior do que o da sua morte.
Preciso passar o segredo adiante.
Oscilando, pôs-se de pé e lembrou-se dos três membros assassinados da fraternidade. Pensou nas gerações que vieram antes deles... na missão que havia sido confiada a todos.
Uma cadeia ininterrupta de conhecimento.
De repente, agora, apesar de todas as precauções... apesar de todos os dispositivos à prova de falhas... Jacques Saunière era o único elo que restava, o único guardião de um dos mais poderosos segredos jamais guardados.
Tremendo, obrigou-se a ficar de pé.
Preciso encontrar uma maneira...
Estava preso dentro da Grande Galeria, e só havia uma pessoa no mundo a quem ele podia passar o bastão. Saunière ergueu o olhar para as paredes de sua opulenta cela. As mais famosas telas do mundo pareciam sorrir para ele, como velhas amigas.
Gemendo de dor, concentrou todas as suas faculdades e todas as suas forças. A fenomenal tarefa que tinha diante de si, sabia, iria exigir todos os segundos de vida que lhe restavam.

Dan Brown,  O Código da Vinci