segunda-feira, 7 de novembro de 2011



Quando olho para o seu rosto, quero extravasar e partilhar de sua loucura, que carrego dentro de mim como um segredo e não consigo mais esconder. Estou cheia de uma alegria aguda e horrível. É a alegria que se sente quando se aceitou a morte e a desintegração, uma alegria mais terrível e mais profunda do que a alegria de viver, de criar.
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Tenho medo desse homem, como se nele eu tivesse que encarar todas as realidades que me aterrorizam, Seu ser sensual me afeta, Sua ferocidade, envolvida em ternura, sua súbita seriedade, a mente fértil, rica. Estou um pouco hipnotizada. Observo suas mãos brancas finas e macias, sua cabeça, que parece pesada demais para o corpo, a testa prestes a explodir, uma cabeça trêmula, guardando tanta coisa que amo e odeio, que desejo e temo.
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Quero que seu amor morra. O que tenho sonhado – que um homem como ele me deseje – agora rejeito. Chegou o momento de mergulhar em sensualidade, sem amor nem drama, e não consigo fazer isso.
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Meu estado de doçura o perturba. Ele descobre que, como um camaleão, mudo de cor no café, e talvez perca a cor que tenho em meu próprio lar. Não me adapto à vida dele.
Sua vida – o submundo (...) violência, impiedade, monstruosidade, devassidão. Leio as anotações dele com avidez e horror. Durante um ano, em semi-solidão, minha imaginação teve tempo de crescer além da medida.(...) Sua masculinidade violenta, agressiva, me persegue. Provo essa violência em minha boca, com meu útero. Esmagada contra a terra com o homem sobre mim, possuída até desejar gritar.
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Eu afeto a imaginação deles. É o poder mais forte.
Já vi o romantismo sobreviver aos realistas. Já vi homens esquecerem-se das belas mulheres que possuíram, esquecerem as prostitutas e lembrarem-se da primeir mulher que idolatraram, a mulher que nunca poderiam ter. A mulher que o estimulou romanticamente os possui.
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Sonho com uma nova fé, que receba estímulo de outros e tenha vida criativa e em que meu corpo pertença apenas a Hugo.
Minto. Naqule dia no café, sentada com Henry, vendo sua mão tremer, ouvindo suas palavras, fiquei emocionada. Foi loucura ler minhas anotações para ele, mas ele me incitou; foi loucura viver e responder às suas perguntas enquanto olhava para o seu rosto, como eu nunca ousara olhar para qualquer homem. Nós não nos tocamos. Estávamos ambos debruçados sobre o abismo.
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Quando ele me toma nos braços, meu corpo derrete. A ternura de suas mãos, a inesperada penetração, até o âmago do meu ser mas sem violência. Que força suave e estranha.
Ele, também grita:
- É tudo tão irreal, tão rápido.
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Estava prestes a me libertar da prisão de minha imaginação, mas ele me leva a seu quarto e lá vivemos um sonho, não uma realidade. Ele me coloca onde quer colocar. Incenso. Veneração. Ilusão. E todo o resto de sua vida é apagado.
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Ele se ajoelha para me beijar, é mais estranho do que todos os meus pensamentos. Com sua experiência ele me domina. Domina com sua mente, também, e fico calada. Sussura para mim o que meu corpo deve fazer. Eu obedeço, e novos instintos são despertados em mim. Ele me tomou. Um homem tão humano; e eu, súbita e desavergonhadamente natural. Fico assombrada de ficar ali deitada na cama de ferro dele, com minha roupa de baixo preta arrancada e pisada. E minha intimidade rompida por um momento, por um homem que se diz ser “o último homem na terra”.
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Meu prazer era intocável e aterrador. Inflava dentro e mim ao caminhar pelas ruas.
Ele trnaspira, ele fulgura. Não consigo escondê-lo. Sou mulher. Um homem me dominou. Ah, que prazer quando uma mulher encontra um homem a quem consegue se sujeitar, o prazer de sua feminilidade expondo em braços fortes.
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Toda vez que saio com você tenho a sensação de estar saindo com minha amante. Você é minha amante. Eu a amo mais do que nunca.
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Estou ciente de um monstruoso paradoxo: entregando-me eu aprendo a amar Hugo ainda mais. Vivendo como estou, preservo nosso amor da amargura e da morte.
A verdade é que essa é a única maneira em que posso viver: em duas direções. Preciso de duas vidas. Eu sou dois seres. Quando volto para Hugo à noite, para a paz e o calor da casa, volto com uma satisfação profunda, como se essa fosse a única condição para mim. Trago para Hugo uma mulher inteira, livre de todas as febres “possuídas”, curada do veneno da inquietação e da curiosidade que costumava ameaçar nosso casamento, curada através da ação. Nosso amor vive porque eu vivo, eu o sustento e alimento. Sou leal a ele à minha maneira, que não pode ser a dele. Se algum dia ler estas linhas, deve acreditar em mim. Estou escrevendo calma e lucidamente enquanto espero que ele venha para casa, como se espera pelo amante escolhido, pelo amante eterno.

Anaïs Nin, Henry & June