terça-feira, 4 de outubro de 2011

Enfarte Literário


morrerei. por certo. de enfarte literário. dei-me conta. com o passar dos anos. que a palavra. embutida no rubro lampejar da paixão. é um fator de risco. coágulo letal. que um dia. cravará. fatalmente. uma comporta de aço. no sangue. "não há amor. só provas de amor". dizes-me. sempre que te escrevo. a paisagem que invento. para te ver. rosada e desprevenida. a colher flores azuis. na margem do rio. é afinal. um horizonte desossado. felicidade servida em cápsulas. que os médicos. costumam receitar. a doentes terminais. já não acreditas. eu sei. em quase nada do que escrevo. lembro-me. do bilhete que me deixaste na caixa do correio. "em vez de me iludires com essa enxurrada de frases feitas. porque não me dás o soro da terra. um colar de areia" e agora mesmo. que me preparava para te enviar. mais uma acetinada. declaração de amor. apercebo-me. que tu. porque não apareço. porque não ligo. porque não respondo. acharás. ridículas. todas as tentativas. de ressuscitar. antigas vigílias. noites e noites. em que te entregavas. à penosa decifração. procurando. uma palavra que fosse. endereçada só a ti. sinto. meu amor. o corpo da escrita a mirrar. a ordem do médico de família. não podia. ser mais peremptória. "tensões altas. gordura em excesso. no sangue. coração. gangrenado de metáforas. eterne-se urgentemente". não adianta. morrerei de enfarte literário.

 alberto serra