sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Dan Brown, O símbolo perdido

Prólogo

Casa do Templo
20h33

O segredo é saber como morrer.
Desde o início dos tempos, o segredo sempre foi saber como morrer.
O iniciado de 34 anos baixou os olhos para o crânio humano que segurava com as duas mãos. O crânio era oco feito uma tigela e estava cheio de vinho cor de sangue.
Beba, disse ele a si mesmo. Você não tem nada a temer.
Como rezava a tradição, ele havia começado aquela jornada vestido com os trajes ritualísticos de um herege medieval a caminho da forca, com a camisa frouxa deixando entrever o peito pálido, a perna esquerda da calça arregaçada até o joelho e a manga direita enrolada até o cotovelo. De seu pescoço pendia um pesado nó feito de corda – uma “atadura”, como diziam os irmãos. Nessa noite, porém, assim como os companheiros que assistiam à cerimônia, ele estava vestido de mestre.
O grupo que o rodeava estava todo paramentado com aventais de pele de cordeiro, faixas na cintura e luvas brancas. Em volta do pescoço usavam joias cerimoniais que cintilavam à luz mortiça como olhos espectrais. Muitos daqueles homens ocupavam cargos de poder lá fora, mas o iniciado sabia que suas posições mundanas nada significavam entre aquelas paredes. Ali todos eram iguais, irmãos unidos pelo juramento compartilhando um elo místico.
Correndo os olhos pelo impressionante grupo, o iniciado se perguntou quem, no mundo exterior, seria capaz de acreditar que todos aqueles homens pudessem se reunir em um mesmo lugar... principalmente naquele lugar. O recinto parecia um santuário sagrado do mundo antigo.
A verdade, porém, era ainda mais estranha.
Estou a poucos quarteirões da Casa Branca.
Aquele edifício colossal, situado no número1.733 da Rua 16 Noroeste, em Washington, D.C., era a réplica de um tempo pré-cristão – o Templo do Rei Mausolo, o primeiro mausoléu... Um lugar para onde se era levado após a morte. Diante da entrada principal, duas esfinges de 17 toneladas montavam guarda ao lado das portas de bronze. O interior era um labirinto de câmaras ritualísticas, corredores, alcovas secretas, bibliotecas e até mesmo um compartimento contendo os restos mortais de dois corpos humanos. O iniciado havia aprendido que cada cômodo daquele edifício guardava um segredo, mas sabia que nenhum deles ocultava mistérios mais profundos dos que a câmara colossal na qual se encontrava agora, ajoelhado, segurando um crânio nas mãos.
A Sala do Templo.
Sua forma era a de um quadrado perfeito. E o ambiente era sombrio e grandioso. O teto altíssimo se erguia a surpreendentes 30 metros sustentado por colunas monolíticas de granito verde. Ao redor da sala, fileiras de cadeiras russas de nogueira escura, estofadas com couro de porco trabalhado à mão, estavam dispostas em níveis. Um trono de 10 metros de altura dominava a parede oeste, e um órgão escondido ocupava o lado oposto. As paredes eram um caleidoscópio de símbolos antigos... egípcios, hebraicos, astronômicos, alquímicos e outros ainda desconhecidos.
Nessa noite, a Sala do Templo estava iluminada por uma série de velas minuciosamente posicionadas. Seu brilho fraco era complementado apenas por um facho de luar que entrava pela ampla claraboia do teto jogando luz sobre o elemento mais surpreendente da sala – um imenso altar feito de um bloco maciço de mármore belga preto polido, situado bem no meio do recinto quadrado.
O segredo é saber como morrer, lembrou o iniciado a si mesmo.
- Chegou a hora – sussurrou uma voz.
O iniciado deixou seu olhar subir até o rosto do distinto personagem vestido de branco à sua frente. O venerável Mestre Supremo. O homem, de quase 60 anos, era um ícone norte-americano, estimado, robusto e dono de uma fortuna incalculável. Seus cabelos outrora escuros estavam ficando grisalhos, e o semblante conhecido refletia uma vida inteira de poder e um vigoroso intelecto.
- Preste o juramento – disse o Venerável Mestre, com uma voz suave feito a neve – Complete sua jornada.
A jornada do iniciado, assim como todas as daquele tipo, havia começado no grau 1. Naquela noite, em um ritual parecido com este de agora, o Venerável Mestre o vendara com uma faixa de veludo e pressionara uma adaga cerimonial contra seu peito nu, indagando:
- Você declara seriamente, pela sua honra, sem influência de motivações mercenárias ou quaisquer outras considerações indignas, candidatar-se de forma livre e espontânea aos mistério e privilégios desta irmandade?
- Sim – havia mentido o iniciado.
- Então que isso seja um estímulo à sua consciência – alertara o mestre - , bem como a morte instantânea caso algum dia você venha a trair os segredos que lhe serão revelados.
Na época, o iniciado não sentira medo. Eles jamais saberão meu verdadeiro motivo para estar aqui.
Nessa noite, porém, um atmosfera de ameaçadora solenidade pairava na Sala do Tempo, levando-o a rememorar todos os avisos severos recebidos durante a jornada, ameaças de punições terríveis caso ele algum dia revelasse os antigos segredos que estava prestes a conhecer: garganta cortada de orelha a orelha... língua arrancada pela raiz... entranhas removidas e queimadas... espalhadas aos quatro ventos... coração retirado do peito e jogado aos animais selvagens...
- Irmão – disse o mestre de olhos cinzentos, pousando a mão esquerda no ombro do iniciado. - Preste o juramento final.
Tomando coragem para dar o último passo de sua jornada, o iniciado endireitou o corpo e voltou sua atenção para o crânio que segurava nas mãos. À fraca luz das velas, o vinho cor de carmim parecia quase negro. Um silêncio sepulcral reinava na sala, e ele podia sentir os olhos das testemunhas cravados nele, à espera que prestasse o juramento final e se unisse àquele grupo de elite.
Hoje à noite, pensou ele, entre estas paredes, está acontecendo algo que nunca aconteceu antes na história desta irmandade. Nem sequer uma vez em séculos.
Ele sabia que aquilo seria a faísca... e que lhe daria um poder inimaginável.
Cheio de energia, respirou fundo e repetiu as mesmas palavras pronunciadas antes dele por incontáveis homens espalhados por todo o mundo.
- Que este vinho que agora bebo se transforme em veneno mortal para mim... caso algum dia eu descumpra meu juramento de forma consciente ou voluntária.
Suas palavras ecoaram no espaço oco. Então o silêncio foi total.
Firmando as mãos, o iniciado levou o crânio à boca e sentiu os lábios tocarem o osso seco. Fechou os olhos e o inclinou, bebendo o vinho em goles demorados, generosos. Depois de sorver tudo até a última gota, abaixou o crânio.
Por um instante, pensou sentir os pulmões se contraírem, e seu coração começou a bater descompassado. Meu Deus, eles sabem! Então, com a mesma rapidez que havia surgido, a sensação passou.
Um agradável calor começou a percorrer seu corpo. O iniciado soltou o ar, sorrindo consigo mesmo enquanto observava o homem de olhos cinzentos que não desconfiava de nada e que acabara de cometer o erro de deixá-lo entrar para o círculo mais secreto de sua irmandade.
Você logo perderá tudo o que lhe é mais precioso.




Dan Brown, O símbolo perdido