terça-feira, 27 de setembro de 2011
Nietzche, O anticristo
Não nos deixemos enganar: os grandes espíritos são céticos. (...) A força, a liberdade que emana da força e da plenitude do espírito é demonstrada pelo ceticismo. No tocante a tudo o que é princípio de valor e não-valor, os homens de convicções não podem ser levados em conta. As convicções são prisões. Não se vê longe o bastante, não se vê por baixo delas; mas, para poder falar de valor e não-valor, há que ver por baixo de si, atrás de si, quinhentas convicções... Um espírito que quer ser grandioso, que quer ter meios para isso, é necessariamente cético. A liberdade relativa a toda espécie de convicções pertence à força, saber olhar livremente... A grande paixão, o fundo e o poder do seu ser, por mais esclarecido e despótico que seja, põe todo o seu intelecto a seu serviço; elimina a hesitação; proporciona-lhe a coragem até para meios ímpios; permite-lhe convicção. A grande paixão precisa de e usa convicções, não se submete a elas – sabe-se soberana. Inversamente: a necessidade de fé, de algo não condicionado pelo sim e pelo não, o carlylismo, se me desculpam o termo, é uma necessidade da fraqueza. O homem de fé, o “crente” de toda espécie, é necessariamente um homem dependente – alguém que não se considera como fim, que em geral não pode por si produzir fins. O “crente” não pertence a si mesmo, pode apenas ser meio, deve ser consumido, tem necessidade de alguém que o consuma. Seu instinto presta a maior honra a uma moral de alienação de si: tudo o persuade desta moral – a sua sagacidade, a sua experiência, a sua vaidade. Toda espécie de fé é, por si mesma, uma expressão de alienação de si... (...)
Nietzche, O anticristo