domingo, 4 de setembro de 2011

Não brinquei com meu cão

imagem: Fabrizio R.


Estive cansado ontem quase todo o dia.
O corre-corre foi intenso mesmo quando estive parado.
Não pude apreciar livros nas livrarias, nem pensei em olhar a programação de cinema.
Não brinquei com meu cão, mal beijei minha esposa.
Tomei café sem atentar para seu gosto, seu calor.
Li duas ou três páginas de Scliar sem a devida atenção.
Não procurei estrelas no céu,
Não pensei em ninguém, em nenhum amigo ou parente,
Não pensei nem em mim mesmo.
Passei o dia ignorando existências, dores, sentimentos, artes, combates.
Passei o dia com homens e mulheres sem que eu soubesse, nem eles,
Que o amor é provável, e que a amizade é possível,
E mesmo um acordo entre inimigos...
Passei o dia rabiscando e apagando, com o corpo,
O tempo e o espaço à minha volta
E tentando me convencer de que estou certo, todos estamos certos,
Que este é o trilho, e que vamos por ele para o único destino conhecido.
Sim, vamos, e é isso que implica em vazio:
O deste sábado, o de ontem e o de amanhã, que é domingo.
Que alguém nos salve disso a que chamam de... Não, não vou dizer!
Seria nomear o inominável.
Prefiro que o leitor preencha o que chamo de− com as palavras de sua própria experiência.
Afinal, por que outro motivo leríamos poesia?
Por que outro motivo nos daríamos a chance de brincar de roda entre as palavras,
De cegos entre metáforas?


 Mayrant Gallo