terça-feira, 20 de setembro de 2011

Jean-Paul Sartre, A Idade da Razão


Encolheu-se. Desejara desaparecer. Um guarda ergueu o bastão e o táxi parou. Mathieu olhava reto para a frente, mas não via as árvores, olhava para seu amor.
Era amor. Agora era amor. Mathieu pensou: “Que foi que fiz?” cinco minutos antes aquele amor não existia; havia entre ambos um sentimento raro e precioso, sem nome, que não se exprimia por meio de gestos. E eis que ele fizera um gesto, o único que não devia fazer, aliás não o fizera propositadamente, aquilo viera sozinho. Um gesto e aquele amor aparecera diante de Mathieu como um grande objeto importuno e já vulgar. Doravante, Ivich pensaria: “Ele é como os outros”, e, a partir daquele momento, Mathieu amaria Ivich como as demais mulheres que amara.”Que pensará ela?” Ela estava a seu lado, rígida e silenciosa, e entre eles havia o gesto, “tenho horror a que me toquem”, o gesto desajeitado e terno, que já comportava a impalpável obstinação das coisas passadas, “Ela está por conta, me despreza e pensa que sou como os outros. Não era o que eu queria dela”, pensou com desespero. Mas já não conseguia lembrar o que queria antes. Era o amor, simplesmente, com seus desejos simples e suas condutas vulgares, e Mathieu é que o fizera nascer com inteira liberdade. “Não é verdade”, pensou com força, “não a desejo, nunca a desejei.” Mas já sabia que ia desejá-la. Acaba sempre assim. “Olharei suas pernas, seus seios, e um dia...” (...)
O táxi parara. Ivich abriu a porta e desceu. Mathieu não a seguiu imediatamente. Contemplava com espanto aquele amor novinho em folha, e já velho, aquele amor de homem casado, envergonhado e matreiro, humilhante para ela, humilhado de antemão, ele já o acolhia como uma fatalidade. Desceu afinal, pagou e alcançou Ivich, que o esperava à entrada. Se ao menos ela pudesse esquecer. Deitou-lhe um olhar furtivo e achou que ela tinha uma expressão dura. “Na melhor das hipóteses”, pensou, “alguma coisa acabou entre nós.” Mas não tinha vontade de evitar amá-la. Entraram na exposição sem trocar palavra.

Jean-Paul Sartre, A Idade da Razão