quinta-feira, 1 de setembro de 2011
Gabrielle S. Colette, A vagabunda
Oh!... Mas eis que, de repente, num lapso, minha boca deixou-se entreabrir, abriu-se, tão irresistivelmente como uma ameixa madura que se racha ao sol... De meus lábios até meus flancos, até os joelhos, eis que renasce e se propaga esta dor exigente, este inchaço de ferida que quer reabrir-se e expandir-se - a volúpia esquecida...
O homem que ma despertou, que a beba no fruto que espreme. Minhas mãos, até há pouco rígidas, abandonaram-se, quentes e moles, às suas, e meu corpo rendido procura unir-se ao seu. Inclinada sobre o braço que me ampara, arco-lhe um pouco mais o ombro, aperto-o contra mim, atenta a que nossos lábios não se desunam, atenta a que nada venha interromper nosso desejo.
Através de um breve murmúrio feliz, vejo que me aprova. Finalmente, certo de que não fugirei, é ele quem de mim se afasta, respira e contempla-me, mordiscando seus lábios molhados. Deixo cair as pálpebras, não preciso mais vê-lo. Talvez me dispa e de mim se aposse inteiramente... Não importa. Banha-me uma irresponsável e preguiçosa alegria... Não há pressa de nada, salvo de que esse beijo recomece. O tempo é nosso... Ufano, com braços lestos, meu amigo levanta-me como um feixe, para colocar-me meio deitada sobre o divã, onde vem unir-se a mim. Agora, sua boca tem o mesmo gosto da minha; e o leve aroma de meu pó de arroz... Esta boca sabida quer fazer inovações e ainda variar a carícia, mas já ouso indicar minha preferência por um beijo quase imóvel, longo, adormentado - o lento esmagar, uma contra a outra, de duas flores, onde vibra apenas a palpitação de dois pistilos acasalados...
Agora, repousamos. Uma grande trégua, na qual retomamos fôlego. Desta vez fui eu quem o deixou, quem se levantou impelida pela necessidade de estirar os braços, de espreguiçar-me, de expandir-me. Peguei o espelho de mão para arranjar os cabelos e contemplar minha nova cara, e rio-me ao contatar que essas feições tresnoitadas, esses lábios trêmulos, brilhantes, um pouco inchados, são comuns a nós dois. Maxime deixou-se ficar no divã, e o seu apelo recebe a mais lisonjeira resposta: meu olhar de cadela submissa, e pronta a aceitar tudo: a trela, a coleira, o lugar aos pés do dono...
Gabrielle S. Colette, A vagabunda