quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Aceitação
Três da manhã. Na casa vazia de sons, vozes e pensamentos queria-se lúcida. No quarto onde os filhos dormiam impassíveis e envoltos na irrealidade de sonhos tranqüilos, o escuro dividia a fronteira entre mundos. No quarto de casal, a cama onde não mais estava o homem de outrora, o aparelho de TV reinando absoluto e desligado e paredes que permaneciam incólumes testemunhas de uma vida que entre projetos desfeitos e já esquecidos momentos de felicidade teimavam em mostrar que algo havia ficado de pé.
Às tontas, vagava pelos corredores como se neles enxergasse as ruas por onde àquelas horas queria andar, mas que nunca teria a coragem de ir. Por entre fantasmas e minutos, atravessava a noite vendo-se e carregando consigo o desejo salvador das miragens que insistia em acreditar.
Onde ele estava naquela hora? Havia-lhe deixado algum scrap no computador antes de dormir? Havia destinado a ela algum pensamento ? Nada importava. A certeza e a vontade de acreditar nas palavras ditas no último encontro, o perfume restante nas mãos e os sonhos que por certo nunca se tornariam realidade, faziam com que se sentisse por entre a morte da madrugada que avançava a pessoa mais viva do mundo.
Onde estaria dali a dez anos? Por onde havia andado nos últimos quarenta? No íntimo, apenas a plena consciência do presente que aliado a seu cotidiano comum, sem surpresas e repleto de alegrias previsíveis desenhava uma estrada que havia decidido seguir por conta própria, permitindo pela primeira vez que se entregasse aos sentimentos e sonhos antes por ela apenas encontrados em livros , poesias e divagações adolescentes.
Era o tempo que voltava. Um tempo que não houve. Queria acima de tudo pensar que poderia experimentar novamente o que nunca de fato havia conhecido. Descobria-se. Passava a ver em sua alma os efeitos dos prazeres do corpo e admitia revelada alguém que nunca tinha sido , mas que estava aprendendo a conhecer. Descobria-se. Retirava de seu espírito os véus que escondiam sensações nunca antes experimentadas . Havia decidido permitir-se.
Medos, transgressões, conflitos, atos cometidos em nome do que entendia e acreditava jamais poder continuar. Êxtases, suores, alegrias agudas por sentir o que não iria querer abandonar.
Por entre as frestas da janela, a visão das ruas por onde nunca havia passado, o odor da madrugada já indo embora e a aceitação absoluta do direito de ser feliz por entre aquele milionésimo de segundo que a eternidade frágil da vida havia lhe presenteado.
Cinco da manhã. A casa vazia começava a acordar. Por entre raios de sol, queria-se louca. Com todo o direito a sê-la.
Alberto Soares