quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Idade da razão


... Tinha grandes olhos azuis de boneca e uma boca infantil, mas sob seus olhos de porcelana havia rugas, bem como em torno da boca: as narinas eram finas como se estivessem agonizantes e os cabelos, que, de longe, se assemelhavam a um halo dourado, mal se escondiam o crânio. Boris contemplou com horror aquela criança glabra. “Já foi jovem”, pensou. Havia sujeitos que pareciam feitos para ter trinta e cinco anos – Mathieu, por exemplo - , porque nunca tinham tido adolescência. Mas quando um camarada fôra realmente moço ficava marcado para o resto da vida. A gente aguentava até vinte e cinco anos. Depois... era horrível. Pôs-se a olhar para Lola e bruscamente lhe disse:
- Lola, olhe para mim. Eu te amo.
Os olhos de Lola tornaram-se cor-de-rosa, ela pisou nos pés de Boris. Disse apenas:
- Querido.
Ele teve vontade de gritar: “Aperte-me, force-me a sentir que eu te amo!” Mas Lola não dizia nada, estava sozinha agora, era sua vez. Sorria vagamente, baixara as pálpebras e seu rosto se fechara sobre sua felicidade. Um rosto calmo e deserto. Boris sentiu-se abandonado e o pensamento imundo invadiu-o de novo: “Não quero, não quero envelhecer”. No ano passado estava sossegado, nunca pensava nessas histórias bestas. Agora era sinistro, sentia sem cessar a mocidade escorregar-lhe entre os dedos. Até os vinte e cinco anos. “Tenho ainda cinco na frente, pensou.” (...)
“Eu também, talvez, terei barriga. Não poder mais olhar-me num espelho, sentir os próprios gestos secos e quebradiços como se a gente fosse de madeira morta...” E cada instante vivido usava mais um pouco sua mocidade. “Se ao menos eu pudesse economizar-me, viver bem devagar, lentamente, talvez ganhasse alguns anos. (...)
Apertou Lola contra seu peito e sentiu a doçura espessa dos seios.
- ah! – murmurou Lola.
Ela se inclinara para trás e ele estava fascinado por aquela cabeça pálida de lábios carnudos, uma cabeça de Medusa. Pensou: “São seus últimos dias de sol”. E apertou-a mais fortemente. “Uma dessas manhãs ela desmontará de repente.” Não lhe tinha mais raiva; sentia-se nela, rígido e magro, todo músculos, envolvia-a nos seus braços e a protegia contra a velhice. Depois teve um instante de sono e desvario: olhou os braços de Lola, brancos como os cabelos de uma velha, pareceu-lhe segurar a velhice nas mãos, e que era preciso apertá-la com toda a força, até sufocá-la.
- Como você me aperta! – disse Lola, feliz. – Você me machuca. Quero você...

Jean-Paul Sartre, A Idade da razão