terça-feira, 26 de julho de 2011

A Cena Aberta

Anna Razumovskaya 

Ele me pegou olhando pra ele daquele jeito
ele me pegou olhando pra ele com aqueles olhos
bem na porta do camarim.
Ele me pegou assim
olhando pra ele e o roteiro de pecado é o que se lia nele
naquele olhar safado
que não dava nem pra disfarçar
mas que vinha de mim.

É que quando comecei a olhar
ele estava olhando pro lado
ele estava com o rosto virado pra lá.
Então meu olhar se sentiu autorizado a olhar.
Ele me pegou explícita.
A filha da puta da janela da alma
deu uma super vacilada
e quando ele bruscamente se virou pra cá
me flagrou na indecência muda daquele olhar.
Ah, meu Deus
não fosse aquilo camarim
e fosse ainda o palco
ao invés de eu estar agora
constrangida a escrever esse poema.
Diria pra ele
segura de mim à beça:
“Meu amor, isto é uma cena,
Faz apenas parte da peça.”
Mas não.
Camarim já, e não palco ainda
e aquele a quem eu olhava
me viu a mirá-lo
me sentiu
e viu que eu o desejava.
Não era pra ele ver,
não estava nos meus planos
e agora?
Ah, diretor, diretor
Interrompa o ensaio.
Ó, temporal, cancele o espetáculo!
Ó, acaso, misterioso amigo dos amantes,
Feche só por esta noite o teatro!
Então camarim e palco
se misturarão,
eu confessarei meu amor, minha paixão,
direi que aquele meu olhar
foi pura força de interpretação.


Elisa Lucinda