terça-feira, 10 de maio de 2011

Morris West, As sandálias do pescador

A recordação do que acontecera mantinha-a como que maravilhada. O aspecto do papa era tão estranho... a cicatriz, a barba, o contraste entre seu alto cargo e o seu humilde traje. Quando voltara a olhá-lo, na sua própria casa, ambos banalmente sentados em frente do café e dos biscoitos, a impressão que a dominara não fora de estranheza, mas sim de uma extraordinária simplicidade. Desde que se desligara da Igreja, adquirira uma crescente antipatia pelos padres e pelas convenções religiosas. Este homem não era, porém, como os outros. Vestia a sua crença como uma pele e exprimia as suas convicções com o carinho de quem pagara por elas um preço que nunca pediria a outros que pagassem. Recordava perfeitamente as suas palavras, tão sinceras e compreensíveis: "...A vida é um mistério, mas a sua solução está fora de nós, não dentro. Não podemos descascar-nos como se fôssemos cebolas, esperando que, ao alcançar a última camada, descubramos como é feita uma cebola. No final, nada nos restaria. O mistério da cebola ainda não foi explicado porque, tal como o homem, é o resultado de um ato criativo eterno.... Eu calço os sapatos de Deus, mas nada mais lhe posso dizer. Entende o que quero explicar? O que eu tenho de ensinar e propagar é um mistério! Quem pedir que lhe expliquemos a Criação, do começo ao fim, pede o impossível. Já alguma vez terá pensado que, ao pedir uma explicação para tudo, está cometendo um ato de orgulho? Nós somos criaturas limitadas. . . Como pode qualquer um de nós ter um saber infinito?..."


Morris West, As sandálias do pescador