by Pierre-Auguste Cot |
era uma vez um livro que deu à luz um menino.
não vamos aqui narrar todos os acontecimentos, senão temos de construir uma biblioteca, encomendar uma estante prodigiosa, atribuir ossos aos sonhos.
basta acreditarmos que a criança nasceu, serenamente, no meio das páginas abertas.
era um menino diferente, não comia, não dormia, não brincava, passava a vida a ler.
atingiu um certo tamanho de humanidade, tendo estagnado antes de um metro de altura.
aconteceu, porém, que o seu gênio, feito de gloriosas células matemáticas, foi aumentando com permanência sobre ele, até que, num dia vulgaríssimo, o engoliu por completo.
desde então, o gênio vive num sótão fechado, na solidão enxuta.
escreve teses incompreensíveis que não servem para nada.
era uma vez uma menina que nasceu de cesariana num hospital.
creio que até aqui não é preciso explicar nada.
era uma criança normal, com um tamanho normal.
o seu gênio, porém, estagnou antes de um metro de altura.
a menina tornou-se uma mulher, esforçou-se por ser genial, e nunca conseguiu.
agora, vive num dilema com o seu pequeno gênio.
dedica-se a escrever teses incompreensíveis.
Alice Macedo Campos