sábado, 23 de abril de 2011


Que sensação se comunica a todo o meu ser quando por acaso meu dedo toca no seu, ou nossos pés se encontram embaixo da mesa! Retiro-os como se tivesse tocado o fogo, e uma força secreta impulsiona-me de novo... a vertigem arrebata os meus sentidos!... E dizer que sua alma cândida não sabe o suplício que me infligem essas pequenas familiaridades! E quando, animados pela conversa, ela pousa sua mão sobre a minha e, mais arrebatados ainda pelas palavras, ela se aproxima tanto de mim que eu chego a experimentar seu hálito celestial junto dos meus lábios... então, parece que vou desaparecer como que ferido pelo raio... E, Wilhelm, como explicar esta pureza e esta confiança, se eu jamais ousei... você me compreende. Não, meu coração não é assim tão corrompido! Ele é fraco, sim, bem fraco!... E isto já não é a corrupção?

Ela me é sagrada. Todo desejo emudece em sua presença. Não sei o que sinto quanto estou junto dela; é como se toda a minha alma estivesse subvertida... Há uma ária que ela toca no cravo, com o poder mágico de um anjo, e com tanta simplicidade, tanta alma! É a sua ária predileta. Quando ela fere a primeira nota, sinto-me curado de todo o meu sofrimento, da confusão das minhas idéias e fantasias.

Nada do que os antigos contam sobre o poder sobrenatural da música me parece inverossímel. Como esse pequeno canto toma conta de mim. E como ela sabe fazer-se ouvir a propósito, sempre no momento em que me vem vontade de meter uma bala na cabeça!... O delírio e as trevas se dissipam na minha alma e respiro mais livremente.

Johann Wolfgang Goethe, Werther