quarta-feira, 13 de abril de 2011

Emily Bronte, O morro dos ventos uivantes

- há mais de um mês que gelo – disse ela, apoiando a palavra, com todo o desdém.
Ela mesma puxou uma cadeira e colocou-a a boa distância de nós dois. Depois de se ter aquecido, olhou em torno de si e descobriu certo número de livros no aparador. Logo se levantou, pondo-se nas pontas dos pés para alcançá-los. Mas achavam-se por demais altos. Seu primo, depois de haver observado algum tempo seus esforços, acabou por ousar auxiliá-la. Ela estendeu o vestido e ele pôs no seu regaço os primeiros volumes que lhe caíram às mãos.
Isso era um grande passo para o rapaz. Ela não lhe agradeceu. Ele, porém, sentia-se todo feliz por haver ela aceitado seu auxílio. Atreveu-se a ficar por trás dela, enquanto examinava os livros, e mesmo a inclinar-se e mostrar o que lhe feria a imaginação em certas velhas gravuras que eles continham. A impertinência com que ela lhe afastava o dedo, ao voltar as páginas, não o ofendia. Contentou-se com recuar um pouco e contemplá-la, em vez de olhar para o livro. Ela continou a ler, ou a procurar alguma coisa para ler. Quanto a ele, concentrou sua atenção pouco a pouco em observar-lhe os cabelos espessos e sedosos. Não podia ver-lhe o rosto, nem ela tampouco podia vê-lo. Sem bem dar-se conta talvez do que fazia, mais atraído, como uma criança para uma vela, acabou por passar do olhar ao tato. Avançou a mão e acariciou uma madeixa, tão docemente como se o fizesse a um pássaro. A maneira por que ela estremeceu e se voltou ao sentir aquela carícia parecia indicar que lhe haviam enterrado um punhal no pescoço.
- Sai imediatamente! Como ousa tocar-me? Que faz aqui atrás de mim? – exclamou ela, num tom de desgosto. – Não posso suportá-lo
[...]
O amor próprio de Harreton não podia suportar por mais tempo aquela tortura. Ouvi, sem desaprová-lo inteiramente, que ele infligia uma correção moral à língua insolente de Catarina. A coisinha ruim havia feito o que pudera para ferir os sentimentos delicados, embora incultos, de seu primo, e um argumento físico era o único meio que ele tinha de descontar o que sofria fez e retribuir o pago devido a quem o agredira. Agarrou em seguida os livros e jogou-os no fogo. Li no seu rosto o quanto lhe custava fazer aquele sacrifício a seu mau humor. Enquanto os livros eram consumidos, imagino que ele sonhava no prazer que eles lhe haviam proporcionado, no triunfo e no prazer crescente que esperava deles. E acreditei adivinhar também o aguilhão de seus estudos secretos. Ele se havia contentado com seu labor cotidiano, com as rudes satisfações da vida animal, até que Catarina cruzasse seu caminho. Da vergonha de ser desprezado por ela, da esperança de ser por ela aplaudido, haviam nascido então aspirações mais altas. Mas, em vez de preservá-lo do desdém e de atrair-lhe o louvor, seus esforços para elevar-se haviam produzido um resultado exatamente o contrário.

Emily Bronte, O morro dos ventos uivantes