quarta-feira, 16 de março de 2011

A chuva de Maria

Imre Toth [Emerico] 

A chuva me irritava.
Até que um dia descobri que Maria é que chovia.
A chuva era Maria.
E cada pingo de Maria ensopava o meu domingo.
E meus ossos molhando, me deixava como terra que a chuva lavra e lava.
Eu era todo barro, sem verdura… Maria, chuvosíssima criatura!
Ela chovia em mim, em cada gesto, pensamento, desejo, sonho, e o resto.
Era chuva fininha e chuva grossa, matinal e noturna, ativa…Nossa!
Não me chovas, Maria, mais que o justo chuvisco de um momento, apenas susto.
Não me inundes de teu líquido plasma, não sejas tão aquático fantasma!
Eu lhe dizia em vão – pois que Maria quanto mais eu rogava, mais chovia.
E chuveirando atroz em meu caminho, o deixava banhado em triste vinho,
que não aquece, pois água de chuva mosto é de cinza, não de boa uva.
Chuvadeira Maria, chuvadonha, chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!
Eu lhe gritava: Pára! e ela chovendo, poças d’água gelada ia tecendo.
Choveu tanto Maria em minha casa que a correnteza forte criou asa
E um rio se formou, ou mar, não sei, sei apenas que nele me afundei.
E quanto mais as ondas me levavam, as fontes de Maria mais chuvavam,
De sorte que com pouco, e sem recurso, as coisas se lançaram no seu curso,
E era o mundo molhado e sovertido sob aquele sinistro e atro chuvisco.
Os seres mais estranhos se juntando na mesma aquosa pasta iam clamando
Contra essa chuva estúpida e mortal catarata (jamais houve outra igual).
Anti-petendam cânticos se ouviram. Que nada! As cordas d’água mais deliram,
E Maria, torneira desatada, mais se dilata em sua chuvarada.
Os navios soçobram.
Continentes já submergem com todos os viventes, e Maria chovendo.
Eis que a essa altura, delida e fluida a humana enfibratura,
e a terra não sofrendo tal chuvência, comoveu-se a Divina Providência,
e Deus, piedoso e enérgico, bradou: Não chove mais, Maria! – e ela parou.


Carlos Drummond de Andrade