quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
Crepúsculo dos Ídolos
Há mais ídolos do que realidades no mundo: este é o meu "mau olhado" em relação a esse mundo, bem como meu "mau ouvido"... Há que se colocar aqui ao menos uma vez questões com o martelo, e, talvez, escutar como resposta aquele célebre som oco, que fala de vísceras intumescidas - que encanto para aquele que possui orelhas por detrás das orelhas! - para mim, velho psicólogo e caçador de ratos que precisa fazer falar em voz alta exatamente o que gostaria de permanecer em silêncio...
Também este escrito - o título o denuncia - é antes de tudo um repouso, um feixe de luz solar, uma escorregadela para o seio do ócio de um psicólogo. Talvez mesmo uma nova guerra? E novos ídolos são auscultados?... Este pequeno escrito é uma grande declaração de guerra; e no que concerne à ausculta dos ídolos, é importante ressaltar que os que estão em jogo, os que são aqui tocados com o martelo como com um diapasão, não são os ídolos em voga, mas os eternos; - em última análise, não há de forma alguma ídolos mais antigos, mais convencidos, mais insuflados... Também não há de forma alguma ídolos mais ocos... Isto não impede, que eles sejam aqueles em que mais se acredita; diz-se também, sobretudo no caso mais nobre, : que eles não são de modo algum ídolos...
De uma vez por todas, não quero saber muitas coisas. - A sabedoria também traz consigo os limites do conhecimento.
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É em nossa natureza selvagem que melhor nos restabelecemos de nosso movimento antinatural, de nossa espiritualidade...
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Como? O homem é apenas um erro de Deus? Ou Deus apenas um erro do homem? – Ajuda-te a ti mesmo: assim todos te ajudarão. Princípio do amor ao próximo.
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Que não se venha a cometer nenhuma covardia contra as próprias ações! Que não as abandonemos
em seguida! O remorso é indecente.
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O homem criou a mulher. A partir de que porém? De uma costela de seu Deus - de seu "Ideal"...
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O quê? Tu procuras? Tu gostarias de te decuplicar, de te centuplicar? Tu procuras adeptos? -
Procuras zeros! -
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Os homens póstumos - eu, por exemplo - são pior compreendidos do que os homens ligados ao seu
próprio tempo, mas melhor ouvidos. Mais exatamente: nunca somos compreendidos e é daí que provém
nossa autoridade...
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Como? Vós escolhesses a virtude e o peito estufado, mas olhais ao mesmo tempo invejosamente
para as vantagens dos inescrupulosos? Com a virtude renuncia-se contudo às "vantagens"... (escrito na
porta da casa de um anti-semita.)
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"Homens maus não possuem canções".
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Há um ódio à mentira e à dissimulação que nasce de uma apreensão sensível da honra. Há um ódio
exatamente como esse que nasce da covardia, visto que a mentira é proibida por um mandamento
divino. Covarde demais para mentir...
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Quão poucas coisas são necessárias para a felicidade! O som de uma gaita. - Sem música a vida seria
um erro. O alemão imagina Deus cantando canções.
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Se nós imoralistas fazemos mal à virtude? Tão pouco quanto os anarquistas fazem mal aos príncipes.
Somente depois de lhes ter alvejado é que estes se sentam firmemente em seus tronos. Moral: é preciso
alvejar a moral.
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Tu és alguém que observa? Ou que coloca as mãos à obra? - Ou que desvia o olhar e se põe de
lado?...
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Tu queres acompanhar? Ou ir à frente? Ou ir por sua própria conta?... É preciso saber o que se quer
e que se quer.
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Estes eram degraus para mim. Servi-me deles para subir e precisei então passar por cima deles. Mas
eles pensavam que queria aquietar-me sobre eles...
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O que importa que eu tenha razão?! Eu tenho por demais razão. E quem hoje ri melhor também ri
por último.
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A fórmula de minha felicidade: um sim, um não, uma linha reta, uma meta...
Friedrich Nietzsche, O Crepúsculo dos Ídolos