- A vulgaridade dá a alegria de profanar. Mas June não é um demônio. A vida é o demônio, possuindo-a, e seu coito é violento porque a voracidade dela por vida é enorme, um gosto de seus sabores mais amargos.
- Escrevera para mim: “... como eu entendo a intensidade ardente em que você vive. Você já viveu muitas vidas, inclusive algumas que partilhou comigo – vidas cheias e ricas do nascimento à morte, e só precisara ter esses períodos de descanso no intervalo entre elas.
- Que registros demoníacos ela consegue guardar, de forma que Henry e eu encaramos com horror sua monstruosidade, que nos enriquece mais do que a piedade de outros, o amor medido de outros, a abnegação de outros. Não vou despedaçá-la como Henry fez. Vou amá-la. Vou enriquecê-la. Vou imortalizá-la.
- ... nunca deixaria Henry tocar-me. Luto para descobrir a razão exata, e só consigo encontrá-la na linguagem dele. “Não quero ser apenas mijada”
- Existe um mundo fechado para sempre para ele – o mundo que contém nossas conversas abstratas, nosso beijo, nossos êxtases. Ele sente inquietamente que existe um certo lado seu que não captou, tudo que fica fora de seu romance. Você escorrega por entre os dedos dele!
- Também enquanto eu estava fora, ele encontrou minha roupa de baixo de renda preta, beijou-a, descobriu meu cheiro e aspirou-o com prazer.
- Atravessei várias vezes as regiões de realismo e encontrei-as áridas. E retorno à poesia. Escrevo a June. É quase impossível. Não consigo encontrar palavras. Faço um esforço tão violento da imaginação para alcançá-la, para alcançar a minha imagem dela.
- Em certos momentos ele consegue dizer as coisas mais delicadas ou profundas. Mas sua suavidade é perigosa, porque quando escreve não escreve com amor, escreve para caricaturar, para atacar, ridicularizar, destruir, rebelar-se. Está sempre contra alguma coisa. A raiva o incita. Eu estou sempre a favor de alguma coisa. A raiva me envenena. Eu amo, eu amo, eu amo.
- Então em certos momentos lembro-me de uma de suas palavras e de repente sinto a mulher sensual fulgurando, como se violentamente acariciada. Digo a palavra para mim mesma, com prazer. É nesse momento que meu verdadeiro corpo vive.
Anaïs Nin, Henry & June