quinta-feira, 6 de janeiro de 2011


Era da dor e do resto que se fazia a música: o que ficava das intactas madrugadas, do sol baço, dos inclinados meios do dia de fome e de solfejo. Mesmo se rias, se os teus olhos míopes em nós dançavam, era como se um lance mais profundo, uma agonia, difusa, abstrata, lhes tocasse as pálpebras febris. E, nota a nota, nuvens soltas, farrapos de céu numa aberta de outono, as cordas eram dedos suspensos na nossa repartida solidão. Mas, dança, enfim, dancemos na poeira estelar das tuas pernas já desfeitas, antes que soe a riso claro a eterna dor de que criaste a vida que anima o coração.

António Mega Ferreira