terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Christiane Rochefort, O repouso do guerreiro


Tocou a campainha e pediu champanha.
- Você pode beber champanha?
Tomará um gole. Champanha nunca é proibido. Vamos, beba aos meus oitenta anos. Sim, nada de histórias. Dê-me os parabéns. Parabéns pelos oitenta anos, Renaud, coragem. Reconheço que é preciso coragem.
- Parabéns pelos oitenta anos,  Renaud - murmurei debilmente.
- Aí está. Você está vendo como pode, desde que queira. É preciso que os dois se consolem, temos razões para estar tristes. Não as mesmas. Mas isso não obsta. Chego tarde demais. Estou muito velho. Há muito tempo, aliás. Desde o começo. É tempo de confessar-lhe a verdade; eu devia tê-la prevenido, não eram vinte e oito anos que eu tinha, quando a conheci, e que faria agora vinte e nove - ah, onde estão meus vinte e nove anos, será que já os tive alguma vez? Nem vinte e oito, nem vinte  e nove, nem oitenta, não, a verdade é que sou velho como o mundo, com um dia de diferença, e tão cansado quanto o mundo, tudo se explica. Vivi cada um dos dias desse pobre mundo e, o que é mais, lembro-me disso e não é nada engraçado. Oh! neves de antaro que nunca existiram e que não existirão jamais! A neve era quente naquele tempo, e eu lá estava. Mas aquele tempo nunca existiu e não subiremos à fonte, porque nunca houve fonte, os rios, vêm do mar e Bach está morto. Não sobreviverei a ele. Amei demais o mundo e morro com ele, ó essências, ó claridades, ó embrulhadas!, desta vez estou mesmo bêbedo, é a primeira vez. Você não sabe o que fervilha no fundo deste mar,  e quanta palavra é preciso remover para ficar surdo. Toda a consciência do mundo está reunída aí, o que não passa de amor inútil, sem objeto, amor desesperado, gota d'água no deserto, você compreende afinal que eu possa ter sede? Não, você não sabe o que é o amor; sei o que digo, você não sabe. É impossível. Estou muito cansado. Faça-me repousar. Você é o repouso do guerreiro, do guerreiro poltrão, do emboscado. Nossa Senhora dos Desertores, tende piedade de mim. Quero dormir-morrer e para isso uma mulher é o melhor sistema. O amor é uma eutanásia. Embale-me, leve-me de volta para o ventre de minha mãe, em outras palavras, ame-me.

Christiane Rochefort, O repouso do guerreiro