Isto é tudo que tenho para oferecer.
Isto, e meu coração também.
Isto, meu coração, o campo, e além.
Toda a campina selvagem.
Trate de contar - se eu esquecer.
A soma alguém deve saber -
Isto, e meu coração, e as abelhas todas
Que vivem na folhagem.
Ninguém conheceria esta rosa pequenina,
Talvez uma peregrina,
Não fosse eu apanhá-la no caminho
Para te oferecer.
Só uma abelha terá saudade.
Só uma borboleta, bailarina,
A procurar um colo pela tarde.
Só um pássaro atento,
Só um suspiro do vento.
Ah, rosa pequenina, tão fácil sina,
Alguém como você morrer!
Hora do Enigma
Algumas coisas que voam:
Pássaro, abelha, hora.
Não canto nenhuma agora.
Algumas coisas que ficam:
Dor, montanha, eternidade.
Não tenho necessidade.
Mas outras que ficam, voam.
Os céus eu posso explicar?
Imóvel - o enigma no ar!
Existe mesmo o amanhã?
Há alguma coisa como o dia?
Se eu fosse alta como a montanha
Mais além a enxergaria?
Terá pé feito açucenas?
Como um pássaro, terá penas?
Vem de um famoso lugar
De que eu nunca ouvi falar?
Marinheiro!
Estudante!
Grande sábio de algum clã!
Alguém conte à pequena viajante
Onde fica o lugar chamado amanhã.
A abelha - de mim - não tem medo,
A borboleta eu conheço.
A gente toda da mata
Se alegra quando apareço.
Os rios riem mais alto assim que eu chego.
E brinca a brisa mais louca então.
Ai meus olhos, por que tua névoa prata?
Por que, ô dia de verão?
Nossa porção de noite suportar,
Nossa porção de amanhecer também.
Nosso vazio, com êxtase ocupar.
Ou ao nosso vazio, o desdém.
Uma estrela aqui, outra ali.
Alguma se extravia.
Aqui névoa, névoa além,
Depois, dia!
Água, é a sede que ensina.
Terra, a travessia do mar.
Êxtase, a agonia.
Paz, o guerrear.
Amor, o retrato eterno,
Pássaros, o inverno.
Vem devagar, Jardim!
A boca desacostumada,
Ruborizada, bebe jasmim
Feito abelha embriagada.
Que a flor alcança tarde,
Ao redor do quarto arde,
Néctar, néctar - roga.
Entra, e em bálsamo se afoga.
Diminutos rios - dóceis a algum mar azul.
Meu Cáspio - tu.
Tinha nos dedos um anel
E fui dormir.
O dia quente, o vento ao léu.
Pensei: - Não vai sumir.
Acordo, e meus dedos honestos desdenho.
A jóia, perdi de vista.
Agora, tudo que tenho
É uma saudade ametista.
Todas as cartas que eu escrever
Não serão bonitas assim:
Sílabas de veludo,
Frases de cetim,
Abismos de rubi, submersos.
Impossíveis, ô lábio, para ti.
Faz de conta ser um colibri
Que sorveu a mim.
Muita loucura é sabedoria divina
Para um olho inteligente.
Muita sabedoria, pura loucura.
Mas, como sempre,
A maioria domina:
Se você concorda, é boa gente.
Se nega, um perigoso sem cura.
Melhor prender com corrente.
O pensamento é maior que o céu.
Coloque lado a lado os dois:
O céu cabe no pensamento,
E ainda cabe você depois.
Mais do que o mar, o pensamento é profundo.
Azul mais azul pode abarcar.
O pensamento sorve o mar em um segundo,
Como a esponja sorve a gota que entornar.
Tem o peso de Deus o pensamento,
Grama a grama, lá e cá.
Se for diferente - esteja atento -
Como sílaba o som será.
Dizem: - Com o tempo passa.
Mas não passa, na verdade.
Sofrimentos enrijecem como tendões, com a idade.
Tempo testa o sofrimento,
Mas não é o seu remédio.
Se passa ao passar do tempo,
Não havia enfermidade.
Seu eu aparar, antes que quebre, um coração.
Minha vida não foi em vão.
Se a uma dor oferecer um vinho
Se assoprar uma ferida,
Se ajudar um passarinho
Que caiu de volta ao ninho,
Não foi em vão minha vida.
A natureza quase não usa amarelo,
Sempre escolhe outro matiz.
Guarda essa cor para o pôr-do-sol
E desperdiça anis.
Carmim, gasta feito mulher,
Mas sonega o amarelo.
Precioso e raro o quer
Como a palavra - elo.
Alegria é um vento
Que nos levanta do piso
E nos deixa em outra parte,
Um lugar em desaviso.
Não traz de volta, voltamos,
Sóbrios, depois de um tempo.
Novatos para uma tarde
Na terra do encantamento.
Fale a verdade toda, mas fale de viés.
No rodeio está o sucesso.
Para nossa frágil felicidade,
A surpresa da verdade brilha em excesso.
Como o raio que, por bondade,
Alguém explica à criança que se assusta,
Deve brilhar pouco a pouco a verdade,
Ou todos seremos cegos à sua custa.
Se não tivesse visto o sol
A sombra eu suportaria.
Mas essa luz fez do meu deserto
Um deserto que antes não conhecia.
Silêncio é tudo que tememos.
Na voz há resgate.
Mas silêncio é infinidade.
Não tem face.
Sem saber quando virá o amanhecer
Eu abro todas as portas.
Terá asas como um pássaro,
Ondulará como as encostas?
O Paraíso é tão longe
Quanto o quanto mais perto
Se nesse quarto se aguarda
Felicidade ou deserto.
Forte é o coração
Que suporta
O estalido
De um passo na porta.
Moço de Atenas, seja fiel apenas
A você
E ao mistério.
Outro alento é falso juramento.
Coração, vamos esquecê-lo!
Você e eu, nesta tarde!
Esqueça o calor que ele deu,
Que esqueço a luminosidade.
Quando acabar, avise, por favor,
Para que eu apague o pensamento!
Rápido! Enquanto você pulsar,
Vou lembrar mais um momento.
Emily Dickinson
Seleção e tradução de Angela Lago
Editora Scipione, 2008
Emily Dickinson
Seleção e tradução de Angela Lago
Editora Scipione, 2008