terça-feira, 30 de novembro de 2010

Anaïs Nin, Henry & June - (4)


Nós nos encontramos, June e eu, no American Express. Sabia que ela se atrasaria e não me importei. Cheguei lá antes da hora, quase doente de tensão. Eu a veria, em pleno dia, sair da multidão. Seria possível? Tinha medo de ficar ali exatamente como ficara em outros lugares, observando uma multidão e sabendo que June alguma apareceria porque June era um produto de minha imaginação. Eu mal podia acreditar que ela chegasse por aquelas ruas, atravessasse tal avenida, emergisse de um grupo de pessoas escuras, anônimas, e caminhasse até aquele lugar. Que alegria observar a multidão correndo e então vê-la caminhando com passos largos, resplandecente, incrível, em minha direção. Eu seguro sua mão quente. Ela está indo em busca de correspondência. O homem no American Express não vê a maravilha que ela é? Ninguém como ela jamais pediu correspondência. Alguma mulher jamais usou sapatos gastos, um vestido preto velho, uma capa azul-escura velha e um velho chapéu cor de violeta como ela usa?
Eu não consigo comer em sua presença. Mas por fora estou calma, com aquela plácida atitude oriental que é tão enganadora. Ela bebe e fuma. É bem louca, num certo sentido, sujeita a medos e manias. Sua conversa, em grande parte inconsciente, seria reveladora para um analista, mas eu não posso analisá-la. É quase tudo mentira. Os conteúdos de sua imaginação são realidades para ela. Mas o que está construindo tão cuidadosamente? Um engrandecimento de sua personalidade, uma fortificação e uma glorificação dela. No calor óbvio e envolvente de minha admiração, ela se expande. Parece ao mesmo tempo destrutiva e impotente. Eu quero protegê-la. Que piada! Eu, proteger aquela cujo poder é infinito. Seu poder é tão forte que realmente acredito quando ela diz que sua destrutibilidade não é intencional. Ela tentou me destruir? Não, entrou em minha casa e eu estava disposta a suportar qualquer dor em suas mãos. Se existe alguma premeditação nela, esta vem apenas depois, quando ela se torna consciente de seu poder e se pergunta como deveria usá-lo. Não acho que sua maldade potencial seja dirigida. Até ela fica aturdida.
Eu a tenho em mim agora como alguém a proteger. Ela está envolvida em perversidades e tragédias com que não consegue lidar. Finalmente captei sua fraqueza. Sua vida está cheia de fantasias. Quero forçá-la a voltar à realidade. Quero lhe fazer uma violência. Eu, que estou afundada em sonhos, em atos semivividos.


Anaïs Nin, Henry & June