terça-feira, 5 de outubro de 2010
Nikos Kazantzakis, O Cristo Recrucificado
Δεν ελπίζω τίποτα. Δεν φοβούμαι τίποτα. Είμαι ελεύθερος
(Não espero nada. Não temo nada. Sou livre.)
"Hipócrita! Hipócrita! Quer parecer-se com Cristo e apronta-se para casar... E depois da crucificação, Lênio vai trazer água quente para você se lavar, roupa limpa para você trocar, e você vai se deitar com ela na cama, depois da Crucificação!"
- Perdoe-me, Manólios! - exclamou Yannakos, jogando-se nos braços do amigo. - Você nem avalia que demônio me possuiu naquela hora... Um dia também vou confessar-me diante de vocês, e vocês vão estremecer. O Padre Photis já sabe...
- Deixem-no falar à vontade, meus irmãos - repetiu o Padre Photis, mandando Yannakos sentar-se novamente - Isto vai serená-lo. Continue, Manólios. Já não se sente um pouco aliviado?
- Meu pai, à medida que falo, sinto-me mais leve... Que mistério é a confissão! Que grande mistério! Agora tomei coragem; vou dizer tudo, absolutamente tudo!
- Nós ouvimos, meu filho - disse o padre, pondo a mão no ombro de Manólios, como para lhe comunicar um pouco da sua própria força. - fale, meu filho!
- Logo que Yannakos pôs assim o meu coração a descoberto, eu acordei, vi o precipício, parei. "você não tem vergonha, Manólios?", disse comigo. "Está pensando que a Crucificação é uma farsa? Pensa que vai zombar assim de Deus e dos homens? Você ama Lênio, deseja dormir com ela, e pretende bancar o Cristo? Mentiroso infame! É preciso escolher, seu hipócrita!" E então, naquele momento, eu escolhi! Não me caso! Não toco em nenhuma mulher! Vou ficar puro!
Novamente Yannakos não se pôde conter.
- Você é um santo, Manólios! Bem que eu disse! - exclamou ele.
- Espere, espere - disse Manólios; - vai ver e vai ficar horrorizado! ainda não contei o pecado mais grave... Tomei a resolução de romper com Lênio; troquei umas palavras com o patrão, depois peguei o caminho da montanha, da solidão, longe das tentações. Dizia comigo: lá em cima, no ar puro, vou consagrar-me a Cristo... E eis que, no momento de tomar o atalho, de encontrar a salvação, a tentação estava à espreita, esperando-me no poço de São Basílio.
Manólios suspirou. Limpou com o lenço o rosto, que começara a supurar. Ficou bastante tempo silencioso; suas mãos tremiam.
- Coragem, Manólios! - disse o padre; - eu sou mais pecador que você; um dia também me confessarei diante de vocês e vão ficar de cabelo em pé. Vocês me vêem assim, mas tenho as mãos tintas de sangue humano. [...]
O Padre Photis fez o sinal da cruz e calou-se. Também se calaram os quatro companheiros; tinham medo. Cada qual se curvou sobre si próprio, olhou para dentro e estremeceu. Quantos crimes, infâmias e vergonhas se entrelaçam no recôndito da alma! Mas nós nos conservamos honestos por falta de audácia. Os desejos continuam a vida toda escondidos, famintos, exasperados, e envenenam o sangue. Nós nos contemos, enganamos os semelhantes, morremos honrados e virtuosos; em aparência, nada de mal se fêz na vida; mas não se engana a Deus.[...]
Manólios enxugou os olhos, que estavam raso de água; dominou e continuou:
- A tentação, meus irmãos, estava sentada na beira do poço e sorriu para mim: Era Katerina, a viúva, a pecadora. Estava de lábios pintados, a blusa desabotoada; vi os seios dela e o sangue me subiu à cabeça; fiquei atordoado. Ela falava, suplicava, e eu sentia vontade de me jogar em cima dela, mas tive medo dos homens, tive medo dos homens e fugi... Fugi, mas levando-a comigo, na minha cabeça, nas minhas veias. Não parava de pensar nela, noite e dia. Fingia que pensava em Cristo; mentira! Estava era pensando nela... Um dia, não aguentei mais. Tomei banho, penteei o cabelo, saí pelo caminho e desci pela aldeia: ia à casa da viúva. Dizia comigo: vou salvar a alma dela, vou falar com ela, vou pô-la no caminho de Deus... Mentira! Eu ia era dormir com ela. E então...
Manólios parou de novo. Respirava com dificuldade. Os outros se voltaram para ele e olharam compadecidos. Manólios estava se derretendo diante deles; em todo o rosto, um líquido turvo escorria da carne intumescida gota a gota, coagulando-se no bigode e na barba.
- E então veio a salvação...
Nikos Kazantzakis, O Cristo Recrucificado