Talvez, quem sabe, um dia
por uma alameda do zoológico ela também chegará
ela que também amava os animais
entrará sorridente assim como está
na foto sobre a mesa
Ela é tão bonita
ela é tão bonita que na certa eles a ressuscitarão
o século trinta vencerá
o coração destroçado já
pelas mesquinharias
Agora vamos alcançar
tudo o que não pudemos amar na vida
com o estelar das noites inumeráveis
Ressuscita-me
ainda que mais não seja
por que sou poeta
e ansiava o futuro
Ressuscita-me
lutando contra as misérias
do cotidiano
ressuscita-me por isso
Ressuscita-me
quero acabar de viver
o que me cabe, minha vida
para que não mais existam
amores servis
Ressuscita-me
para que ninguém mais tenha
que sacrificar-se
por uma casa, um buraco
Ressuscita-me
para que a partir de hoje
a partir de hoje
a família se transforme
E o pai
seja pelo menos o universo
E a mãe
Seja no mínimo a terra.
A terra
.
(Adptação de Caetano Veloso para a poesia de Vladimir Maikóvski)
*
RESSUSCITA-ME!.
Vladimir Maiakóvski
Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo,
a mãe,
pelo menos a Terra.