quinta-feira, 2 de setembro de 2010


..tua voz se eleva cintilante, responde-me
com seus cristais clarificados, - e sem nenhum rumor.

Fica repleta a noite e meus ouvidos te reconhecem:
os ouvidos que nem estão no meu corpo
nem na memória, mas só no ausente universo do sono.

Eu te digo: “Espera-me! Desculpa-me!
Vou chegar muito tarde!” E não sei se falo
com palavras ou símbolos, nas dimensões submersas do horizonte.

E eu te digo: “Atira-me a chave!” E deploro-me –
e de muito longe vejo a chave que me atiras,
e que receberei como álibi do sobrenatural.

Assim, eu sou agora, ainda que a mesma, também outra,
em mundo paralelo, com a chave da porta invisível,
e o som da tua voz é uma árvore clara que não se ouve,
numa atmosfera absurda –
como se nos fôssemos encontrar, um dia, e continuássemos.

Cecília Meireles