terça-feira, 14 de setembro de 2010
Alberto Moravia, A Romana
Entrei novamente no quarto e fechei a porta a chave. Giacinti, impaciente, descongestionado, veio ao meu encontro no meio do quarto e tomou-me nos braços. Era bem mais baixo do que eu, e para alcançar meu rosto com os lábios me dobrou contra o espaldar da cama. Eu tentava não me deixar beijar na boca, e, ora virando o rosto como por pudor, ora jogando-o para trás, como por volúpia, consegui o que queria.
Giacinti amava como comia: com avidez, sem discriminação, sem delicadeza, começando por uma parte e depois por outra, quase com medo de perder alguma coisa, dominado pelo meu corpo, como antes, no restaurante,o fôra pela comida. Depois de ter-me abraçado, quis despir-me, assim mesmo, de pé. Despiu-me um braço e um ombro; em seguida, como se essa nudez lhe confundisse as idéias, recomeçou a beijar-me. Eu temia que com esses gestos bruscos acabasse rasgando meu vestido, e no fim disse, sem, contudo, afastá-lo: - Vamos, tire a roupa.
Ele me soltou imediatamente, e, sentando-se na cama, começou a se despir. Eu, do outro lado, fiz o mesmo. - Mas sua mãe sabe? - perguntou em seguida.
- Sabe.
- E o que diz?
- Nada.
- Desaprova?
Era evidente que essas informações constituíam para ele um tempero a mais na picante aventura. Esse é um elemento comum a quase todos os homens, e são poucos os que resistem a tentação de misturar o prazer a um interesse de gênero diferente ou até mesmo à compaixão. - Não aprova nem desaprova - respondi secamente, levantando-me e tirando a combinação pela cabeça; - sou livre para fazer o que bem entendo. - Nua, arrumei minhas roupas numa cadeira e deitei-me de costas na cama,com braço debaixo da cabeça, o outro estendido para me proteger o regaço. Não sei por que, lembrei-me que estava na mesma pose da deusa pagã parecida comigo na estampa colorida que o pintor gordo mostrara a mamãe; e de repente uma dor de despeito me invadiu, ao pensar em como a minha vida tinha mudado desde então. Giacinti ficou certamente surpreso pela beleza formosa e sólida do meu corpo, que, como já disse, não se revelava debaixo das roupas, porque parou de se despedir e me olhou estarrecido, de boca entreaberta e olhos escancarados. - Ande logo - eu disse - , estou com frio.
Ele acabou de tirar a roupa e lançou-se sobre mim. Do seu modo de amar já falei, mesmo porque era parecido com ele e me parece já tê-lo descrito o bastante. Basta acrescentar que era um daqueles homens aos quais o dinheiro que pagaram ou que vão pagar ourtorga uma exigência meticulosa, como se, renunciando à qualquer outra coisa à qual se acham com direito, receiem estar sendo roubados. Era muito ávido, como já disse, mas não a ponto de não ter sempre o dinheiro presente na lembrança e de não querer tirar dele o maior proveito. Seu propósito, como percebi logo, era o de prolongar ao máximo nosso encontro, e extrair de mim todo o prazer que considerava lhe fosse devido. Com essa finalidade, trabalhava meu corpo como um instrumento que exigisse longo preparo antes de ser tocado; e me incitava o tempo todo a fazer o mesmo com o dele. Mas eu, embora obedecendo, comecei logo a me aborrecer e a observá-lo com frieza, como se seus cálculos tão transparentes o tornassem distante e eu o visse lá longe, através de um vidro de desamor e nojo, não só a ele, mas a mim também. Era exatamente o contrário do sentimento de simpatia que havia procurado instintivamente no início da noite; e de repente tive uma vergonhosa sensação de remorso e fechei os olhos.
Alberto Moravia, A Romana