quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Pra não dizer adeus

Love by Gustav Klimt


1.
O coração explode
na dor acumulada e na fadiga:
o morto ensaia novos passos
ao ritmo de sua amante estranha.
Morrer foi mais do que uma escolha:
foi render-se enfim àquela melodia.

Baixa uma cunha de luz
sobre os que velam: enlaçado à sua amada,
o morto espreita atrás da cortina
enquanto se arma o cenário.
Na platéia, silêncio e surdez:
somos os não-iniciados.
Mas alguém conhece o roteiro,
alguém distribui os papéis, alguém
vai pronunciar nossos nomes.
Ninguém será esquecido
no palco que nos aguarda:
seremos vistos, seremos registrados,
também seremos chamados.

2.
Caminho entre as minhas perdas
-- que são insetos escuros –
e os meus ganhos, douradas borboletas.

A luz de uma paixão, o dedo da morte,
o lento pincel da solidão
desenharam meus contornos, firmaram
meu chão.

Que liberdade não precisar pensar;
que alívio não ter de administrar
a minha vida:
apenas andar,
apenas olhar, apenas
ouvir essa voz, essas vozes
que vêm de longe, passam por mim
e não me dão a menor importância

porque no vasto oceano
a minha eventual desarmonia
é apenas uma gota
desafinada.
Mais nada.

Lya Luft