sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Jack Kerouac, On the road

Fomos a Nova York - as circunstâncias, já esqueci, eram duas garotas negras -, mas não havia garotas lá; tínhamos marcado um encontro para jantar e elas não apareceram. Fomos até o estacionamento, onde Dean tinha algumas coisas a fazer - mudar de roupa no barraco dos fundos e se ajeitar um pouco em frente a um espelho rachado, coisas assim, e logo caímos fora. E foi nessa noite que Dean conheceu Carlo Marx. Algo verdadeiramente extraordinário aconteceu quando Dean conheceu Carlo Marx. Duas cabeças iluminadas como eram, eles se ligaram no ato. Um par de olhos penetrantes relampejou ao cruzar com dois outros olhos penetrantes - o santo vagabundo de mente sombria que é Carlo Marx. Daquele momento em diante quase não vi mais Dean, e fiquei um pouco magoado também.
As energias deles entraram em fusão; comparado a eles, eu não passava de um paspalho, era incapaz de acompanhar aquele ritmo. Começa então o louco redemoinho de tudo o que ainda estava por vir; e ele misturaria todos meus amigos e o pouco que restava da minha família numa gigantesca nuvem de poeira pairando sobre a Noite Americana. Carlo falava a Dean sobre Old Bull Lee, Elmer Hassel e Jane; Lee no Texas (...), Hassel na ilha de Riker, Jane vagando pelo Times Square (...), com sua bebezinha nos braços e acabando em Bellevue. E Dean falou para Carlo sobre desconhecidos do Oeste como Tommy Snark, o craque manco das mesas de bilhar, viciado no baralho e veado abençoado. Falou também sobre Roy Johnson, Big Ed Dunkel, seus amigos de infância, seus companheiros da rua, suas inumeráveis garotas e orgias e fotos pornográficas, seus heróis, heroínas, aventuras. Eles vararam as ruas juntos absorvendo tudo com aquele jeito que tinham no começo, e que mais tarde se tornaria muito mais melancólico, perceptivo e vazio. Mas essa época eles dançavam pelas ruas como piões frenéticos e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante - pop! - pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos "aaaaaaah!. Como é mesmo que eles chamam esses garotos na Alemanha de Goethe? Desejando ardorosamente aprender como escrever tão bem quanto Carlo, Dean, como é fácil imaginar, começou a envolvê-lo com aquela alma insinuante e amorosa que só mesmo um verdadeiro vagabundo poderia ter. "Carlo, agora deixe que eu  fale, o que eu tenho a te dizer é o seguinte..." Não os vi por umas duas semanas, durante as quais eles selaram sua amizade numa proporção tão intensa quanto seu diálogo diabólico que virava a noite e emendava o dia.
Chegou então a primavera, época ideal para cair na estrada, e todos neste bando disperso começaram a se preparar para algum tipo de viagem. Eu estava ocupadíssimo com meu romance, mas quando já estava na metade, depois de uma viagem ao Sul com minha tia para visitar meu irmão Rocco, senti que estava pronto para tomar o rumo do Oeste pela primeiríssima vez.

Jack Kerouac, On the road