Daniel Gerhartz |
Ele não sabia como escrever um poema de amor. Ele sabia apaixonar-se, e nesse percurso tortuoso que se impõe quando da paixão se trata, às vezes, conseguia chegar ao amor. Era forte nas pequenas fraquezas, sabia como se desvencilhar dos golpes mais violentos. Mas não sabia fazer poemas de amor, escrever cartas ou mandar bilhetinhos. Só tinha a seu favor o deslize da língua, ato sempre falho para dizer o incomunicável: "preciso de ti". Certa vez tomou coragem e decidiu escrever sobre o estado de seu espírito: così mi trovo in amorosa erranza foi o primeiro verso que lhe surgiu à cabeça. Por que sempre invocar Dante quando quero falar de amor? Pensou. Abandonou o amoroso engano. Não queria falar disso. Queria ser mais objetivo. Não era possível. Não tinha o talento da objetividade. Pensou em coisas, em imagens que comunicassem o seu amor, pensou pensou: "meu querido, hoje releio Orlando para provar que a tua testa é mais bonita; agora sei que foi para ti que Einstein chegou à Teoria da Relatividade Geral; reaprendo a geografia, tu és como uma península branca ora sobre o verde, ora sobre o negro; queria que me ajudasses a assaltar um banco; preciso de um companheiro para cruzar a fronteira e morrer no deserto, para depois verdejar o deserto transformados em húmus; não tenho dúvidas, era em ti que Eliot pensava quando escreveu The Waste Land; tu sabes o segredo oculto no interior do pêssego; antecipaste-me a monção, lavando com o teu brilho a poeira seca do inverno azul; tu és o Inverno Azul; és também a minha lição mais ancestral de estética; és a desconstrução do poema; és o motivo por que não sei escrever poemas de amor; tu és a bala que acabou de chegar ao centro do meu coração - e eu estou feliz por isso!
Oscar Mourave