quinta-feira, 8 de julho de 2010

Nina rizzi



imagina só meu caro amigo, que logo eu
aos doze anos, na flor da idade
fui um milagre brasileiro:
uma morena de angola, dos olhos d'água,
moça da cidade e violeira na cidade dos artistas
uma cidade ideal pra minha canção, pra ver a banda passar,
curtir festa modesta ou a fantasia
sempre voltando ao samba na ciranda da bailarina.

era a moça mais bonita, a moça do sonho,
na ilha de lia, no barco de rosa.
ura na queda, desafiei o malandro e fiz
um casamento de pequenos burgueses num circo místico
numa noite de mascarados com um novo amor
(é que não existe pecado ao sul do equador).

mas como o cotidiano é cheio
de desencontros, desencantos, desemboladas,
feito um folhetim de esconde-esconde
deixei a menina, carioca ou francesa,
como num samba de adeus, pois é
qualquer amor, romance é como um retrato em preto e branco,
samba, agoniza, mas não morre a gente fica com tanta saudade
então como sentimental vamos sempre em frente na roda viva.

mas tem mais samba rei de ramos!
samba de orly, tango de covil, valsinha, um chorinho
sobre todas as coisas daqueles anos dourados!
sobre o tempo que passou, minha história.
não fui uma menina, trocando em miúdos, fui umas e outras
e pra não dizer mais tantas palavras fora de hora
façamos a lista do meu sonho de carnaval, das minhas meninas,
las muchachas de Copacabana as mulheres que fui:

ana de amsterdam
angélica
bárbara
beatriz
carolina
cecília
cristina
geni
helena
iolanda
iracema
januária
joana
leila
lola
lilly braun
luísa e luíza
madalena
maria
nancy
renata
rita
rosa
sílvia
teresinha.

palavra de mulher! fui todas as mulheres de atenas!
uma mulher em cada porto, com açúcar e com afeto,
sem açúcar, sem fantasia, sem compromisso de todas as maneiras.

mas essa minha canção, o meu último blues
é pra deixar de ser tudo que sou e que fui
por um sonho (quase) impossível:
ser a garota do leblon.
e se não puder... não sonho mais!

Chico Buarque