... A beleza, a verdadeira beleza, acaba onde principia a expressão inteligente. A inteligência em si é uma espécie de exagero; desmancha a harmonia de qualquer rosto. A partir do instante em que nos metemos a pensar, vamos ficando só olhos, ou só testa, ou qualquer outro horror. Olhe para os homens que vencem em qualquer dos ramos do saber. São inteiramente hediondos! Exceto na igreja, naturalmente. É que os eclesiásticos não pensam. Aos oitenta anos o bispo continua dizendo as mesmas coisas que dizia aos dezoito; e, como consequência natural, conserva uma aparência deliciosa. O seu misterioso jovem amigo, cujo nome você nunca me disse, mas cujo retrato me enfeitiçou realmente, não pensa. Estou certo disso. É uma bela criatura sem miolos, que deveria estar sempre aqui no inveno, quando não há flores para olhar; e, sempre no verão, quando suspiramos por qualquer coisa que nos refresque as idéias. [...]
Encolhe os ombros? Pois olhe que estou falando a verdade! Em toda superioridade física ou intelectual, há uma fatalidade, a fatalidade que parece seguir, através da história, os passos incertos dos reais. É preferível não sermos diferentes do nosso próximo. O feio, o tolo têm neste mundo a melhor sorte. Se não chegam a provar o gosto da vitória, pelo menos lhes é poupado o ressaibo das derrotas. Vivem como nós todos deveríamos viver: sossegados, indiferentes, sem preocupações. Não causam a desgraça alheia nem são desgraçados por alheias mãos... A sua posição social e a sua riqueza, Harry, a minha inteligência, seja qual for, a minha arte, valha o que valer, a bela aparência de Dorian Gray... são dons dos deuses, pelos quais teremos os três de sofrer, de sofrer horrivelmente.
Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray