terça-feira, 29 de junho de 2010

André Malraux, A condição humana

- Quer que eu cante?
- Agora não.
Olhava o corpo dela, ao mesmo tempo indicado e oculto pela túnica de seda lilás com estava vestida. Sabia que estava estupefata: não é costume deitar-se alguém com uma cortesã, sem que ela tenha cantado, conversado, servido à mesa ou preparado cachimbos. Por que, se assim não era, não se dirigira às prostitutas?
- Também não quer fumar?
- Não. Despe-te.
Ele negava a dignidade dela, e sabia-o. Teve vontade de exigir que ela se pusesse toda nua, mas ela teria recusado. Só tinha deixado aceso um candeeirinho de mesa de cabeceira. “O erotismo”, pensou, “é a humilhação em si ou noutrem, nos dois talvez. Uma idéia, muito evidentemente...” Aliás. Ela era mais excitante assim, com a camisa chinesa justa; mas estava pouco excitado, ou talvez só o estivesse pela submissão desse corpo que o esperava, ao passo que ele nem se movia. O seu prazer brotava de que se punha no lugar da outra, era claro: da outra, forçada, constrangida por ele. Em suma, nunca se deitava senão consigo próprio, mas só podia chegar a isso na condição de não estar só. Compreendia agora o que Gisors só adivinhara: sim, a sua vontade de poderio nunca atingia o seu objetivo, vivia só de o renovar; mas, ainda que na sua vida não houvesse possuído uma única mulher, possuía e possuiria, através daquela chinesa que o esperava, a única coisa de que era ávido: ele próprio. Eram-lhe precisos os olhos dos outros para se ver, os sentidos de uma outra para se sentir. Olhou a pintura tibetana, posta ali sem que se soubesse muito bem por quê: num mundo desbotado, sem cor, onde erravam viajantes, dois esqueletos exatamente análogos abraçavam-se em transe.
Aproximou-se da mulher.

André Malraux, A condição humana