Vegetariano
não dispenso chorar
sobre legumes esquartejados
no meu prato.
Tomates sangram em minha boca,
alfaces desmaiam ao molho de limão-mostarda-azeite,
cebolas soluçam sobre a pia
e ouço o grito das batatas fritas.
Como.
Como um selvagem, como.
Como tapando o ouvido, fechando os olhos,
distraindo, na paisagem, o paladar,
com a displicente volúpia
de quem mata para viver.
Na sobremesa
continua o verde desespero:
peras degoladas,
figos desventurados
e eu chupando o cérebro
amarelo das mangas.
Isto cá fora. Pois lá dentro
sob a pele, uma intestina disputa
me alimenta: ouço o lamento
de milhões de bactérias
que o lança-chamas dos antibióticos
exaspera.
Por onde vou é luto e luta.
Affonso Romano de Sant´Anna