sábado, 19 de junho de 2010

Eu, Robô


1. ROBBIE

- Noventa e oito, noventa e nove, cem.

Glória tirou seu antebraço pequeno e fofo da frente dos olhos e ficou por um instante torcendo o nariz e piscando na luz do sol. Depois, tentando observar em todas as direções, ela se afastou alguns passos cautelosos da árvore na qual se encostara.

Inclinou o pescoço para investigar as possibilidades de uma moita de arbustos à direita e depois se afastou mais, para olhar melhor seus cantos escuros. Havia um silêncio profundo, exceto pelo incessante zumbir dos insetos e o canto ocasional de um pássaro, enfrentando corajosamente o calor do meio-dia.

Glória fez um beicinho.

- Aposto como ele entrou na casa, e eu já falei um milhão de vezes que isso não vale.

Com os pequenos lábios comprimidos e a testa franzida severamente ela se moveu com determinação na direção da casa de dois andares, passando pela entrada dos carros.

Tardiamente ouviu um farfalhar atrás dela, seguido pelo som distinto e rítmico da batida dos pés metálicos de Robbie. Virou-se para ver seu companheiro triunfante sair do esconderijo e correr para a árvore a toda velocidade.

Glória gritou desapontada.

- Espere Robbie, isso não vale! Você prometeu que não ia correr até que eu o achasse. - Seus pezinhos não podiam competir com os passos enormes de Robbie. Então, a três metros do seu objetivo, o passo de Robbie diminuiu subitamente para uma marcha bem lenta e Glória, numa corrida final, o ultrapassou ofegante para tocar a casca da árvore.

Alegre, ela se voltou para o fiel Robbie e com a maior ingratidão o recompensou por seu sacrifício zombando cruelmente de sua falta de velocidade.

- Robbie não pode correr - ela gritou o mais alto que seus 8 anos de idade podiam permitir. - Eu posso vencê-lo todo dia. Eu posso vencê-lo todo dia. - Ela cantou estridente.

Robbie não respondeu, é claro - não com palavras. Ele fingiu correr, se afastando aos poucos até que Glória encontrou-se a persegui-lo, enquanto o robô se desviava dela, forçando-a a correr em círculos, os pequenos braços estendidos e sacudindo no ar.

- Robbie, pare! - ela gritou. E o riso saiu misturado com a respiração ofegante.

Então ele se virou e a pegou, girando com ela no ar enquanto o mundo parecia virar de ponta cabeça com um vazio azul embaixo e árvores verdes se estendendo para o vácuo. Depois ela estava de novo na grama, inclinando-se contra a perna de Robbie e ainda segurando um dedo de metal.

Logo o fôlego retornou. Ela passou a mão inutilmente nos cabelos desarrumados, imitando um dos gestos de sua mãe e torceu o corpo para ver se o vestido não rasgara.

Bateu com a mão no corpo de Robbie.

- Malvado, vai apanhar!

E Robbie se encolheu, protegendo o rosto com as mãos até que ela acrescentasse.

- Não Robbie, não vou não. Mas, de qualquer maneira, é a minha vez de me esconder, porque você tem pernas mais compridas e prometeu não correr até que eu o encontrasse.

Robbie acenou com a cabeça - um pequeno paralelepípedo com bordas arredondadas ligado a outro paralelepípedo semelhante, mais bem maior, que servia de corpo, por um tubo curto e flexível. Obedientemente, ele ficou de frente para a árvore. Uma fina película metálica desceu sobre seus olhos brilhantes e de dentro de seu corpo ouviu-se um tiquetaquear ressonante.

- Não olhe agora e não pule nenhum número - avisou Glória, enquanto corria para se esconder.

Com uma regularidade invariável, os segundos se passaram e no centésimo as pálpebras metálicas se ergueram e o brilho vermelho dos olhos de Robbie varreu o ambiente. Parou por um momento num pé de algodão que nascera por trás de uma pedra. Avançou alguns passos e ficou convencido de que Glória estava oculta ali atrás.

Lentamente, permanecendo sempre entre Glória e a árvore, ele avançou para o esconderijo, e, quando a menina estava a plena vista, não podendo nem fingir que não fora encontrada, ele estendeu um braço na direção dela enquanto batia na perna com o outro. Glória saiu aborrecida.

- Você olhou! - ela disse, com muita injustiça. - Além disso eu estou cansada de brincar de esconde-esconde. Quero um passeio.

Mas Robbie estava magoado com a acusação injusta e por isso sentou-se com cuidado, sacudindo sua cabeça lentamente de um lado para o outro.

Glória mudou seu tom de voz imediatamente para uma solicitação gentil.

- Vamos Robbie, eu não estava falando sério sobre espiar. Me carregue.

Robbie não se dava por vencido tão facilmente. Ele olhou para o céu, teimosamente e sacudiu a cabeça de um modo ainda mais enfático.

- Por favor, Robbie, por favor, me carregue. - Ela envolveu o pescoço do robô com seus bracinhos rosados e o abraçou apertado. Então, mudando num instante, ela se afastou. - Se não me carregar eu vou chorar. - E sua face se contorceu num preparativo.

Firme, Robbie nem deu atenção a essa terrível possibilidade e sacudiu a cabeça uma terceira vez. Glória percebeu que era necessário jogar seu trunfo.

- Se não me carregar eu não te conto mais histórias, ponto final. Nenhuma...

Robbie cedeu imediatamente e sem condições ante tamanho ultimato. Assentiu com a cabeça vigorosamente até que o metal do seu pescoço zumbiu. Com cuidado ele ergueu a menina e a colocou em seus ombros largos e chatos.

As lágrimas ameaçadas por Glória sumiram imediatamente e ela estava radiante de satisfação. A pele de metal de Robbie era mantida a uma temperatura constante de vinte e dois graus centígrados por serpentinas de alta resistência dentro dele, o que a tornava confortável e ótima ao tato. O som bonito de seus calcanhares, batendo ritmicamente, era encantador.

- Você é uma aeronave, Robbie, você é uma grande e pratea-da aeronave. Abra os braços, é preciso Robbie, se você vai ser uma aeronave.

A lógica era irrefutável. Os braços de Robbie tornaram-se asas pegando as correntes de ar e ele era uma nave prateada.

Glória torceu a cabeça do robô e se inclinou para a direita. Ele fez uma curva inclinada. A menina equipou sua nave com um motor que fazia "brrr" e então com armas que disparavam "Pou!" e "Sshhhh". Piratas estavam no seu encalço e as armas da nave entravam em ação. Os piratas caíam numa chuva contínua.

- Lá vai um, e mais dois - ela gritava. Depois: - Rápido, homens - disse Glória de modo solene. - Estamos ficando sem munição. - Ela fez pontaria por cima dos ombros com uma coragem inabalável e Robbie era uma espaçonave de proa rombuda atravessando o vácuo com aceleração máxima.

Ele correu pelo campo até o trecho de capim alto do outro lado, onde parou de modo tão brusco que provocou um grito de sua passageira. Depois a deixou cair no tapete de grama macia.

Glória estava ofegante e exclamava intermitentemente:

- Isso foi ótimo!

Robbie esperou até a menina recuperar o fôlego e então puxou delicadamente uma mecha de seu cabelo.

- Você quer alguma coisa? - ela perguntou, com os olhos arregalados numa fingida perplexidade que não enganava sua enorme ama-seca. Ele puxou o cabelo com mais força.

- Ah, eu sei, você quer uma história.

Robbie assentiu rapidamente.

- Qual delas?

Robbie fez um semicírculo no ar com um dedo.

A garotinha protestou:

- De novo? Eu já contei Cinderela para você um milhão de vezes. Ainda não enjoou?... É para criancinhas.

Outro semicírculo.

- Está bem - Glória se aprumou, reviu os detalhes da história em sua mente (junto com seus próprios acréscimos, e ela tinha feito vários acréscimos), depois começou: - Está pronto? Bem, era uma vez uma linda mocinha chamada Ella que tinha uma terrível madrasta e duas irmãs muito malvadas...

Glória estava chegando ao clímax da história - a meia-noite se aproximava e tudo estava se transformando de novo nos trapos originais, enquanto Robbie escutava com atenção, os olhos brilhando - quando chegou a interrupção.

- Glória!

Era a voz aguda de uma mulher que já chamara não apenas uma vez, mas várias vezes; e tinha o tom nervoso de alguém cuja ansiedade estava começando a tomar o lugar da impaciência.

- Mamãe está me chamando - disse Glória, não muito contente. - É melhor me carregar de volta para casa, Robbie.

O robô obedeceu com rapidez, pois sabia que era melhor obedecer a senhora Weston sem o menor sinal de hesitação. O pai de Glória raramente estava em casa durante o dia, exceto nos domingos - hoje, por exemplo. Quando estava, ele demonstrava ser uma pessoal genial e compreensiva. Já a mãe de Glória era uma fonte de inquietação para o robô e ele sempre se sentia compelido a evitá-la.

A senhora Weston os viu assim que se ergueram do meio das moitas de capim alto, e entrou na casa para esperar.

- Eu chamei até ficar rouca, Glória - ela disse. - Onde você estava?

- Eu estava com Robbie - balbuciou Glória. - Eu estava contando a história de Cinderela para ele e esqueci a hora do jantar.

- Bem, é lamentável que Robbie também tenha esquecido. - Então, como se a frase a lembrasse da presença do robô, ela se virou para ele. - Pode ir agora, Robbie. Ela não precisa mais de você. E acrescentou, cruelmente. - E não volte até eu chamar.

Robbie se virou para ir embora, mas Glória tomou sua defesa.

- Espere mamãe, precisa deixar ele ficar. Eu não terminei de contar Cinderela para ele. Eu prometi que contava e não terminei.

- Glória!

- Verdade mamãe, e ele vai ficar tão quieto que nem perceberá que está aqui. Ele pode se sentar numa cadeira num canto e não vai dizer uma palavra... quero dizer, ele não fará coisa alguma. Não é Robbie?

Robbie balançou sua cabeça maciça para cima e para baixo uma vez.

- Glória, se não parar com isso vai ficar sem ver o Robbie durante uma semana.

A menina abaixou o olhar:

-Tá bom! É que Cinderela é a história favorita dele e eu não terminei... e ele gosta tanto.

O robô saiu com um passo desolado e Glória sufocou um soluço.

George Weston estava se sentindo confortável. Era seu hábito descansar nas noites de domingo. Um bom jantar na barriga, um sofá velho e macio para se espalhar, uma cópia do Times, chinelos, o peito sem camisa - como alguém poderia deixar de se sentir confortável numa situação dessas?

Portanto ele não ficou satisfeito quando sua mulher entrou. Depois de dez anos de casamento ele ainda era tão tolo a ponto de amá-la, e sem dúvida alguma gostava de vê-la - entretanto, a noite de domingo, logo depois do jantar, era uma hora sagrada para ele, e sua idéia de conforto era ser deixado sozinho por duas ou três horas. Conseqüentemente, fixou seu olhar sobre as últimas notícias da expedição Lefebre-Yoshida ao planeta Marte (que decolaria da Base Lunar e podia realmente ter sucesso), fingindo que sua esposa não estava lá.

A senhora Weston esperou pacientemente por dois minutos; depois, impacientemente, mais dois minutos; e finalmente quebrou o silêncio.

- George!

- Humm?

- George, quer largar esse jornal e olhar para mim?

O jornal caiu no chão e George olhou para sua esposa com uma expressão cansada.

- O que é, querida?

- Você sabe o que é, George. É a Glória e aquela máquina terrível.

- Que máquina terrível?

- Não finja que não sabe do que eu estou falando. É aquele robô que Glória chama de Robbie. Ele não larga dela em momento algum.

- E por que deveria? Ele não deve sair de perto dela. E certamente ele não é uma máquina terrível. É o melhor robô que o dinheiro pode comprar e eu tenho certeza de que me custou meio ano de trabalho. Mas valeu o que paguei, o danado é mais esperto do que metade da equipe do meu escritório.

Ele fez um movimento para pegar o jornal de novo mas sua mulher foi mais rápida e o tirou do seu alcance.

- Agora me escute, George. Eu não quero confiar minha filha a uma máquina. E não me importa o quão esperta seja. Ela não tem alma e ninguém sabe o que pode estar pensando. Uma criança não foi feita para ser guardada por uma coisa de metal.

Weston franziu a testa:

- E quando foi que você chegou a essa conclusão? Ele está com Glória há dois anos e você nunca tinha se preocupado até agora.

- No começo era diferente. Era uma novidade, tirou um peso das minhas costas e... era o que estava na moda. Mas agora eu não sei. Os vizinhos....

- Bom, e o que tem os vizinhos a ver com isso? Agora escute. Um robô é muito mais confiável do que uma babá humana. Robbie foi construído para um único propósito: ser o companheiro de uma criança pequena. Toda a sua "mentalidade" foi criada com esse propósito. Ele não pode deixar de ser fiel, amoroso e bom. Ele é uma máquina feita para isso. Não se pode dizer a mesma coisa de seres humanos.

- Mas alguma coisa pode dar errado. Alguma, alguma... - A senhora Weston era um pouco confusa em relação ao interior de um robô. - Alguma pequena engrenagem pode se soltar e aquela coisa terrível ficar louca e... - ela não conseguiu ir até a conclusão final.

- Besteira - disse Weston, com um estremecimento invo-luntário. - Isso é completamente ridículo. Tivemos uma longa conversa na ocasião em que compramos Robbie a respeito da Primeira Lei da Robótica. Você sabe que é impossível para um robô ferir um ser humano. Bem antes de qualquer defeito ser capaz de alterar a Primeira Lei, o robô ficaria totalmente inoperante. Isso é uma impossibilidade matemática. Além disso, um engenheiro da U.S. Robôs vem aqui, duas vezes por ano, para fazer uma vistoria completa na pobre engenhoca. Não, não há mais chances de alguma coisa dar errado no Robbie do que de você e eu ficarmos malucos subitamente. Na verdade, há muito mais chances de isso acontecer. Além de tudo, como é que você vai tirá-lo da Glória?

Ele fez outra tentativa de pegar o jornal e sua mulher atirou o diário furiosamente na outra sala.

- É esse o problema, George! Ela não brinca com ninguém mais. Há dúzias de meninos e meninas com quem ela poderia fazer amizade, mas ela não quer. Ela nem chega perto deles, a menos que eu a leve lá. Isso não é jeito de uma menina crescer. Você quer que ela seja uma pessoa normal, não quer? Quer que ela tome parte na sociedade, não quer?

- Você está vendo fantasmas, Grace. Faça de conta que Robbie é um cachorro. Eu já vi centenas de crianças que gostam mais de seu cachorro do que de seus pais.

- Um cachorro é diferente, George. Nós temos que nos livrar daquela coisa horrível. Você pode vendê-lo de volta para a companhia. Eu perguntei e eles dizem que pode.

- Você perguntou! Olhe aqui, Grace, vamos parar por aqui. Nós vamos ficar com o robô até que Glória esteja mais crescida e eu não quero tocar nesse assunto de novo. - E dizendo isso, ele saiu da sala mal-humorado.

A senhora Weston abordou o marido assim que ele chegou, duas noites depois:

- Você tem que me ouvir, George. As pessoas andam preocupadas na vila.

- Com o quê? - perguntou Weston. Ele entrou no banheiro e abafou qualquer resposta possível com o barulho da água.

A senhora Weston esperou e então disse:

- Com o Robbie.

Weston saiu, a toalha no rosto, o rosto vermelho e aborrecido:

- Do que você está falando?

- O problema vem aumentando. Eu tentei fingir que não via, mas não consigo mais ignorar. A maioria das pessoas acha que Robbie é perigoso. As crianças são proibidas de chegar perto da nossa casa de noite.

- Nós confiamos nossa criança a esta coisa.

- Bem, as pessoas não são racionais com essas coisas.

- Então que vão pro inferno.

- Falar assim não resolve o problema. Eu tenho que fazer minhas compras lá na vila. Eu tenho que encontrar aquela gente todo o dia. No que se refere aos robôs, na cidade está ainda pior. Em Nova York eles acabaram de aprovar uma lei que proí-be os robôs de saírem nas ruas entre o nascer do sol e o poente.

- Tudo bem, mas eles não podem impedir que a gente tenha um robô em nossa casa. Grace, essa é uma das suas campanhas. Eu reconheço isso. Mas não adianta. A resposta é não. Nós vamos ficar com o Robbie!

E no entanto ele amava sua mulher, e o que é pior, ela sabia disso. George Weston era apenas um homem, pobre coitado. Sua mulher fez uso de todos os artifícios que um sexo mais escrupuloso e desajeitado já aprendeu, da argumentação à frivolidade e ao medo.

E dez vezes, na semana seguinte, ele gritou:

- Robbie fica! E ponto final! - Mas cada vez a afirmativa saía mais fraca e era acompanhada de um gemido.

E afinal chegou o dia em que Weston abordou sua filha cheio de culpa e sugeriu que fossem assistir a um "belo" espetáculo de visivox no vilarejo.

Glória bateu palmas feliz:

- Robbie pode ir com a gente?

- Não querida - ele respondeu, estremecendo ao som de sua voz. - Eles não deixam robôs entrarem no visivox. Mas você pode contar para ele quando voltar. - Atropelou as últimas palavras e olhou para outro lado.

Glória voltou da cidade entusiasmada, porque o visivox tinha sido realmente um espetáculo deslumbrante.

Ela esperou até que o pai manobrasse o jato-carro para dentro da garagem subterrânea.

- Espere só até eu contar para o Robbie, pai. Ele teria adorado. Especialmente naquele pedaço em que Francis Fran estava recuando com todo o cuidado, deu com as costas num dos Homens-Leopardo e teve que sair correndo. - Ela riu de novo. - Pai, existem realmente Homens-Leopardo na Lua?

- Provavelmente não - respondeu Weston ausente. - Mas é divertido fazer de conta. - Não podia mais se atrasar com o carro. Tinha que enfrentar a situação.

Glória correu pelo jardim chamando:

- Robbie, Robbie!

Então ela parou subitamente ao ver o belo cachorro collie que a olhava com olhos marrons muito sérios enquanto abanava o rabo na varanda.

- Oh, que cachorro legal! - Glória exclamou, subindo os degraus e cuidadosamente alisando o animal. - É pra mim, pai?

Sua mãe veio se encontrar com eles.

- É sim, Glória. Não é lindo? Macio e peludo. E muito mansinho. Ele gosta de meninas.

- Ele sabe brincar?

- Claro. Ele sabe fazer vários truques. Quer ver alguns?

- Agora mesmo. Eu quero que Robbie o veja também... Robbie! - Ela parou incerta e franziu a testa. - Aposto como ele está no quarto, chateado comigo porque não o levei ao visivox. Tem que explicar para ele, pai. Ele pode não acreditar em mim, mas sabe que se você fala é verdade.

Weston comprimiu os lábios. Ele olhou para sua mulher mas ela não respondeu ao seu olhar.

Glória se virou bruscamente e correu para o porão, gritando:

- Robbie, venha ver o que papai e mamãe trouxeram para mim. Eles me trouxeram um cachorro, Robbie.

Num minuto ela voltou. Uma menina assustada.

- Mãe, Robbie não está em seu quarto. Onde ele está?

Não houve resposta. George Weston tossiu e mostrou-se subitamente interessado em uma nuvem que passava no céu. A voz de Glória estava embargada, a beira do choro.

- Onde está Robbie, mamãe?

A senhora Weston abaixou-se e puxou sua filha para junto dela.

- Não fique triste, Glória. Acho que Robbie foi embora.

- Foi embora? Pra onde? Para onde ele foi, mamãe?

- Ninguém sabe, querida. Ele apenas saiu e foi embora. Nós procuramos, e procuramos, mas não conseguimos encontrá-lo.

- Quer dizer que ele nunca mais vai voltar? -, os olhos dela estavam arregalados de horror.

- Pode ser que o encontremos logo. Vamos continuar procurando. Enquanto isso, por que você não brinca com o seu lindo cachorro? Olhe para ele. Seu nome é Relâmpago, e ele pode...

Mas os olhos de Glória já estavam cheios d'água.

- Eu não quero esse cachorro horrível. Eu quero o Robbie. Eu quero que você encontre o Robbie. - Seus sentimentos tornaram-se muito fortes para palavras e a menina começou um choro agudo.

A senhora Weston olhou para o marido em busca de ajuda, mas ele meramente mexeu os pés e não tirou os olhos do céu. Assim, ela se encarregou de consolar a menina.

- Por que está chorando, Glória? Robbie era só uma máquina, uma máquina velha e feia. Ele não estava vivo realmente.

- Ele não era uma máquina! - gritou Glória com convicção. - Ele era uma pessoa como eu e você e ele era meu amigo. Eu o quero de volta. Ah, mãe, eu o quero de volta!

A mãe suspirou derrotada e deixou Glória com sua tristeza.

- Deixa ela chorar - ela disse ao marido. - A tristeza de uma criança nunca dura muito tempo. Em alguns dias ela nem vai lembrar que aquele robô terrível existiu.

Mas o tempo provou que a senhora Weston fora demasiado otimista. Certamente que Glória parou de chorar, mas também deixou de sorrir e o passar dos dias foi tornando-a cada vez mais silenciosa e melancólica. Gradualmente essa atitude de tristeza passiva foi vencendo a senhora Weston e tudo o que a impedia de ceder era a impossibilidade de admitir uma derrota para seu marido.

Então, uma noite, ela entrou pela sala de estar, sentou-se, dobrou os braços e pareceu furiosa.

O marido esticou o pescoço para olhar por cima do jornal.

- O que foi agora, Grace?

- Essa menina, George. Hoje eu tive que devolver o cachorro. Glória disse que não suportava olhar para ele. Ela está me deixando maluca.

Weston abaixou o jornal e um brilho de esperança entrou em seus olhos.

- Talvez... Talvez devêssemos trazer o Robbie de volta. Podemos fazer isso, você sabe. Eu posso entrar em contato com...

- Não! - ela respondeu decidida. - Nem me fale nisso. Não vamos desistir tão facilmente. Minha filha não vai ser criada por um robô se é preciso anos para separá-lo dela.

Weston pegou o jornal novamente com uma expressão desapontada.

- Um ano assim e eu vou ficar grisalho prematuramente.

- Você é uma grande ajuda, George - foi a gélida resposta. - O que Glória precisa é de uma mudança de ambiente. É claro que ela não pode esquecer do Robbie aqui. Como? Se cada árvore e pedra faz com que ela se lembre dele? É realmente a situação mais boba que eu já vi. Imagine, uma criança deprimida com a perda de um robô.

- Bem, vá direto ao assunto. Que mudança de ambiente você está planejando?

- Vamos levá-la para Nova York.

- A cidade! Em agosto! Você sabe como é Nova York em agosto? É insuportável.

- Milhões de pessoas suportam.

- Porque não têm um lugar como este para ir. Se não precisassem ficar em Nova York elas não ficariam.

- Bom, nós precisamos. Vamos partir agora... ou assim que fizermos os arranjos necessários. Na cidade, Glória vai encontrar interesses suficientes e amigos suficientes para animá-la e fazê-la esquecer daquela máquina.

- Oh, Deus - gemeu a parte mais fraca. - Aquelas calçadas frigindo!

- Nós precisamos - foi a resposta inabalável. - Glória perdeu dois quilos no mês passado, e a saúde da minha menininha é mais importante do que o seu conforto.

- Pena que você não pensou na saúde da sua menininha antes de privá-la de seu robô de estimação - ele murmurou para si mesmo.

Glória demonstrou sinais de uma melhora imediata assim que soube da viagem até a cidade. Ela falava pouco sobre o assunto, mas quando o fazia era sempre com uma antecipação animada. Começou a sorrir novamente e a comer com um pouco do seu apetite anterior.

A senhora Weston viu motivos para se animar e não perdeu a oportunidade para tripudiar sobre seu marido cético.

- Está vendo, George? Ela está me ajudando com as malas como um pequeno anjo e fala como se não tivesse mais nenhuma preocupação no mundo. É como eu lhe falei... tudo o que precisávamos era criar outros interesses.

- Hum! Espero que sim - foi a resposta desanimada.

Os preparativos terminaram rapidamente. A casa deles na cidade foi preparada e um casal foi contratado para cuidar da casa de campo. Quando o dia da partida chegou finalmente, Glória tinha retomado o seu antigo humor e nem mencionou mais o Robbie.

Bem disposta, a família pegou um giro-táxi até o aeroporto. (Weston teria preferido usar o seu girocóptero particular, mas ele tinha apenas dois lugares e não havia espaço para levar a bagagem.) No aeroporto eles embarcaram no transporte que os esperava.

- Venha, Glória - chamou a senhora Weston. - Eu reservei um lugar na janela para você ver a paisagem.

Glória percorreu o corredor entre as poltronas alegremente e achatou o nariz, formando um oval branco de encontro ao vidro. Observou com interesse enquanto o ruído da partida dos motores chegava ao interior da aeronave. Ela era muito criança para sentir medo quando o chão afastou-se, como se caísse num alçapão, e seu peso tornou-se o dobro do normal. Mas não era tão jovem que não ficasse muito interessada. Só quando a paisagem virou uma colcha de retalhos distante foi que Glória afastou o nariz da janela e olhou para sua mãe de novo.

- Logo estaremos na cidade, não é mamãe? - Ela perguntou, esfregando o nariz gelado e olhando com interesse enquanto a mancha de umidade que sua respiração formara na janela encolhia e desaparecia.

- Dentro de meia hora querida. - Foi a resposta. E então, com apenas um leve traço de ansiedade: - Não está contente de estarmos indo para lá? Não acha que vai ficar muito feliz na cidade, com todos aqueles prédios, pessoas e coisas para ver? Nós iremos ao visovox todo dia, vamos ver os shows, vamos ao circo, à praia e...

- Sim, mamãe - foi a resposta sem entusiasmo da menina.

O avião estava passando sobre um banco de nuvens e Glória ficou instantaneamente interessada no espetáculo de ver nuvens passando por baixo dela. Depois, quando estavam em céu claro de novo ela se virou para a mãe com um ar de mistério.

- Eu sei por que estamos indo para a cidade, mamãe.

- Sabe? - A senhora Weston estava intrigada. - Por que querida?

- Vocês não me contaram porque queriam fazer surpresa, mas eu sei. - Por um momento ela se calou, admirando a própria perspicácia e então riu. - Nós vamos para Nova York para poder achar o Robbie, não é? Com detetives.

A declaração pegou George Weston no ato de beber um copo de água, com resultados desastrosos. Engasgou e cuspiu, depois começou a tossir. Quando tudo terminou ele ficou de rosto vermelho, molhado e muito aborrecido.

A senhora Weston manteve a compostura, mas quando Glória repetiu a pergunta num tom mais ansioso ela sentiu sua calma abalada.

-Talvez - ela respondeu asperamente. - Agora sente-se e fique quieta, pelo amor de Deus.

Nova York, em 1998, era um paraíso para os turistas, como jamais fora em sua história. Os pais de Glória sabiam disso e procuraram aproveitar ao máximo.

Por ordem direta de sua esposa, George Weston cuidara para que seus negócios prosseguissem sem sua presença durante cerca de um mês. Assim ele ficaria livre para gastar o tempo no que ela classificara como "tirar Glória da beira da ruína". Como tudo o mais que Weston fazia, isso fora arrumado de um modo eficiente e completo, bem profissional. Antes que o mês terminasse tudo que podia ser feito fora feito.

Glória foi levada até o topo do Edifício Roosevelt, de oitocentos metros de altura, para olhar admirada para o panorama acidentado de telhados que se espalhava até os campos de Long Island e a planura de New Jersey. Eles visitaram o zoológico onde Glória pôde olhar, com um medo divertido, para um "leão vivo e de verdade" (ela ficou desapontada ao ver que os tratadores o alimentavam com bifes de carne crua no lugar de seres humanos, como tinha esperado), e pediu com insistência para ver "a baleia".

Os vários museus também mereceram visitas, junto com os parques, as praias e o aquário.

Glória foi levada pelo rio Hudson acima num barco a vapor de excursões, equipado para reproduzir uma embarcação dos "loucos anos vinte". Depois subiu até a estratosfera num passeio de exibição, até onde o céu ficava roxo, as estrelas surgiam e a terra enevoada abaixo parecia um enorme prato côncavo. Depois mergulhou sob as águas do Estreito de Long Island, num submarino de paredes de vidro, até um mundo verde e ondulante onde criaturas estranhas e curiosas olhavam para ela e fugiam nadando.

Num nível mais prosaico, a senhora Weston a levou nas lojas de departamentos onde ela pôde apreciar um outro tipo de terra da fantasia.

De fato, quando o mês já estava quase acabando, os Westons estavam convencidos de que tudo o que podia ser feito para tirar a lembrança de Robbie da mente da menina de uma vez por todas estava feito. Mas não podiam ter certeza.

Permanecia o fato de que aonde quer que Glória fosse, ela demonstrava o interesse mais absorto e concentrado em qualquer robô que estivesse presente. Não importava o quão empolgante fosse o espetáculo diante dela, nem o quão novo ele fosse aos seus olhos de menina. Ela se virava imediatamente ao menor vislumbre de um movimento metálico.

A senhora Weston fazia o possível parar manter Glória afastada de todos os robôs.

Mas a questão finalmente chegou ao clímax no episódio do Museu da Ciência e Indústria. O museu tinha anunciado um programa "especial para crianças" na qual exibições de magia científica adaptadas para a mente infantil seriam mostradas. Os Westons, claro, colocaram a mostra na sua lista prioritária.

No momento em que o casal estava totalmente absorto com os feitos de um poderoso eletromagneto a senhora Weston notou que Glória não estava mais com ela. O pânico inicial deu lugar a uma calma decisão, e com a ajuda de três funcionários foi iniciada uma busca cuidadosa.

Glória, é claro, não era criatura de andar sem destino. Para sua idade, ela era uma menina notavelmente determinada e decidida, bem equipada com os genes maternos nesse aspecto. Ela tinha visto um grande letreiro no terceiro andar que dizia: "Por aqui até o Robô Falante". Tendo repetido o que o cartaz dizia e percebendo que seus pais não pareciam dispostos a seguir na direção indicada, ela fez a coisa óbvia. Esperou por um momento oportuno de distração e calmamente se afastou, seguindo seu caminho.

O Robô Falante era um tour de force, um engenho totalmente impraticável, possuindo apenas um valor publicitário. Uma vez por hora um grupo guiado ficava diante dele e fazia perguntas sussurradas ao engenheiro presente. Aquelas que o engenheiro decidia que eram adequadas para os circuitos do robô eram transmitidas para o Robô Falante.

Era meio chato. Pode ser ótimo saber que o quadrado de quatorze é cento e noventa e seis, que a temperatura no momento é de vinte e quatro graus centígrados, que a pressão atmosférica é de 30,02 polegadas de mercúrio e que o peso atômico do sódio é vinte e três, mas ninguém precisa de um robô para isso. E realmente não há utilidade para uma massa totalmente imóvel de fios e bobinas espalhada por vinte e cinco metros quadrados.

Poucas pessoas se importavam de voltar para uma segunda exibição, mas uma moça, de uns 15 anos, estava sentada calmamente num banco, esperando por uma terceira sessão. Ela era a única pessoa na sala quando Glória entrou.

Glória nem olhou para ela. Naquele momento, outro ser humano era uma coisa desprezível para Glória. Ela dedicou toda a sua atenção para aquela coisa imensa sobre rodas. Por um momento hesitou, intimidada. Aquilo não se parecia com qualquer robô que tivesse visto.

Cuidadosamente e incrédula, ela elevou sua voz trêmula.

- Por favor, senhor robô, o senhor é o Robô Falante? - Ela não tinha certeza, mas parecia-lhe que um robô que realmente falava tinha que ser tratado muito educadamente.

(A jovem de 15 anos exibiu uma expressão de intensa concentração em seu rosto magro e comum. Ela pegou um pequeno bloco de anotações e começou a escrever com garranchos rápidos.)

Houve um ruído de engrenagens e uma voz mecânica trovejou palavras que careciam de sotaque ou intonação:

- Eu... sou.... o robô.... que fala.

Glória olhou para ele aflita. Aquilo falava, mas o som vinha de algum lugar lá dentro. Não havia um rosto para se dirigir as palavras. Ela disse:

- Pode me ajudar, senhor robô?

O Robô Falante fora projetado para responder perguntas e só as perguntas que ele era capaz de responder tinham sido colocadas para ele. Portanto, ele estava muito confiante em suas habilidades.

- Eu... posso... ajudá-la.

- Muito obrigado, senhor robô. O senhor viu o Robbie?

- Quem... é Robbie?

- Ele é um robô, senhor robô. - A menina se ergueu na ponta dos pés. - Ele tem mais ou menos essa altura, senhor, apenas um pouco mais alto e é muito bom. Ele tem uma cabeça sabe? Quer dizer, o senhor não tem, mas ele tem, senhor robô.

O Robô Falante não estava conseguindo acompanhar.

- Um robô?

- Sim, senhor robô. Um robô como o senhor, exceto que ele não pode falar, é claro e... parece uma pessoa real.

- Um... robô... como eu?

- Sim, senhor robô.

Mas a única resposta do Robô Falante foi um ruído incoerente e um barulho ocasional. A generalização radical que fora-lhe apresentada, ou seja, de que sua existência não era uma coisa particular, mas sim parte de um grupo geral, era demais para ele. Lealmente, ele tentou apreender o conceito e meia dúzia de bobinas se queimaram. Pequenos sinais de aviso estavam soando.

(A moça de 15 anos saiu nesse ponto. Ela já tinha o suficiente para o seu trabalho sobre "Aspectos Práticos da Robótica". O primeiro de muitos trabalhos que Susan Calvin escreveria sobre o assunto.)

Glória ficou esperando, com indisfarçada impaciência, pela resposta da máquina até ouvir um grito atrás dela.

- Lá está ela - e reconheceu o grito como sendo de sua mãe.

- O que está fazendo aqui, sua pestinha! - gritou a senhora Weston, a ansiedade transformando-se rapidamente em raiva. - Sabe que quase matou seu pai e sua mãe de susto? Por que fugiu?

O engenheiro de robôs entrou arrancando os cabelos e querendo saber quem, na multidão que se aglomerava, tinha mexido com a máquina.

- Não sabem ler? - ele gritou. - Vocês não podem entrar aqui sem um acompanhante.

Glória ergueu sua voz triste em meio ao tumulto:

- Eu só vim ver o Robô Falante, mamãe. Eu achei que ele poderia saber onde está o Robbie, porque ambos são robôs. - E então, como se a lembrança de Robbie tivesse voltado, ela começou a chorar. - E eu tenho que encontrar o Robbie, mamãe. Eu tenho!

A senhora Weston sufocou um grito e disse:

- Oh, Deus. Vamos para casa, George. Isso é mais do que eu posso suportar.

Naquela noite George Weston saiu por várias horas, e na manhã seguinte ele abordou sua esposa com o que parecia, suspeitosamente, uma complacência satisfeita.

- Eu tive uma idéia, Grace.

- Sobre o quê? - foi a pergunta sombria e desinteressada.

- Sobre Glória.

- Você não vai sugerir que compremos de volta aquele robô?

- Não, claro que não.

- Então prossiga, não custa escutá-lo. Nada do que eu fiz parece ter dado certo.

- Muito bem. Eis o que eu estive pensando. Todo o problema com a Glória é que ela pensa em Robbie como uma pessoa e não uma máquina. É claro que ela não pode esquecê-lo. Agora, se nós conseguíssemos convencê-la de que Robbie não é nada mais do que uma mistura de aço e cobre na forma de placas e fios, com a eletricidade como sua seiva vital, até onde duraria sua saudade? É uma abordagem psicológica, se me entende.

- E como pensa fazer isso?

- Simples. Aonde acha que eu fui ontem à noite? Eu convenci o Robertson da U.S. Robôs e Homens Mecânicos a nos levar para uma visita completa a sua fábrica, amanhã. Nós três iremos, e quando tivermos terminado, Glória estará convencida de que um robô não está vivo.

Os olhos da senhora Weston ficaram mais abertos e alguma coisa brilhou dentro deles que parecia uma súbita admiração.

- Puxa, George, essa é uma boa idéia.

O peito dele inflou.

- As únicas que eu tenho - foi a resposta.

O senhor Struthers era um gerente geral consciencioso e naturalmente inclinado a falar muito. A combinação resultou em uma visita totalmente explicativa, talvez explicada até demais em cada etapa. Contudo, a senhora Weston não ficou entediada. De fato, ela o interrompeu várias vezes, pedindo que repetisse suas afirmações em uma linguagem mais simples, de modo que Glória pudesse entender. Influenciado por esta apreciação de seus poderes de narrativa, o senhor Struthers se expandiu e ficou ainda mais comunicativo. Se isso era possível.

George Weston demonstrava uma impaciência crescente.

- Perdoe-me, Struthers - ele disse, interrompendo no meio uma palestra sobre a célula foto-elétrica. - Vocês não tem um setor da fábrica onde só se emprega o trabalho de robôs?

- Ah? Oh, sim! Sim, de fato! - Ele sorriu para a senhora Weston. - De certo modo é um círculo vicioso, robôs criando mais robôs. É claro que não vamos fazer disso uma prática generalizada. Os sindicatos, por exemplo, nunca permitiriam. Mas podemos produzir alguns robôs usando o trabalho exclusivo de robôs, meramente como uma espécie de experiência científica. - Ele bateu com o pince-nez em uma palma argumentando. - O que os sindicatos não percebem, e eu digo isso como um homem que sempre simpatizou com o movimento trabalhista de um modo geral, é que o advento dos robôs, embora envolvendo uma certa deslocação no início, irá, inevitavelmente...

- Certo, Struthers - disse Weston - mas quanto a este setor da fábrica de que fala... podemos vê-lo? Tenho certeza de que deve ser muito interessante.

- Sim, realmente, claro que é! - O senhor Struthers recolocou o pince-nez com um movimento convulsivo e tossiu desconfortavelmente. - Sigam-me, por favor.

Comparativamente, ele estava bem quieto enquanto levava os três por um longo corredor e descia um lance de escadas. Então, quando entraram num salão bem iluminado, que zumbia com atividade metálica, as comportas se abriram e a torrente de explicações jorrou novamente.

- Aqui estamos! - ele disse, com orgulho na voz. - Somente robôs! Cinco homens agem como supervisores, mas nem mesmo ficam na sala. Em cinco anos, ou seja, desde que iniciamos este projeto, não aconteceu nem um único acidente. É claro que os robôs montados aqui são comparativamente simples, mas...

A voz do gerente geral há muito tornara-se um murmúrio tranqüilizador nos ouvidos de Glória. Todo o passeio lhe parecia chato e sem sentido, embora houvesse muitos robôs por ali. Nenhum deles nem mesmo se parecia com Robbie e ela os olhara com desprezo.

Nesta sala não havia outras pessoas, ela tinha notado. Então seu olhar caiu sobre seis ou sete robôs ocupados em torno de uma mesa redonda, no meio da sala. Seus olhos se arregalaram de surpresa. Era uma sala grande, ela não podia ter certeza, mas um daqueles robôs se parecia... parecia... era!

- Robbie! - O grito atravessou o ar e um dos robôs junto à mesa hesitou e deixou cair a ferramenta que estava segurando. Glória ficou quase louca de alegria. Espremendo-se através do balaústre, antes que seus pais pudessem detê-la, ela saltou para o piso, um metro abaixo, e correu para Robbie, os braços acenando, o cabelo voando.

Enquanto os três adultos horrorizados, paralisados, viam aquilo que a menina entusiasmada não podia ver - um enorme trator deslizando cegamente em direção a ela.

Levou segundos para Weston reagir, e aqueles segundos significavam tudo, porque não dava mais para alcançar Glória. Embora Weston pulasse por cima do parapeito numa louca tentativa, ela era sem esperanças. O senhor Struthers sinalizou desesperado para os supervisores deterem o trator, mas eles eram apenas humanos e levaram algum tempo para reagir.

Somente Robbie reagiu imediatamente e com precisão. Suas pernas de metal venceram o espaço entre ele e sua pequena senhora, que corria na direção oposta. Tudo aconteceu então de uma vez. Com um movimento rápido do braço Robbie agarrou Glória, sem reduzir nem um pouco a velocidade e, conseqüentemente, deixando-a sem fôlego. Weston, sem compreender o que estava acontecendo, sentiu, mais do que viu, Robbie passar por ele e parar. O trator passou pelo ponto onde Glória estaria meio segundo depois, avançou mais três metros e finalmente parou.

Glória recuperou seu fôlego e submeteu-se a uma série de abraços dos seus pais, virando-se depois avidamente para Robbie. No que lhe dizia respeito nada tinha acontecido, exceto que ela tinha encontrado seu amigo.

Mas a expressão da senhora Weston mudara de alívio para suspeita. Ela se virou para o marido e, apesar da aparência descabelada e desarrumada, pareceu formidável.

- Você armou isso, não foi?

George Weston passou um lenço na testa molhada. Sua mão estava trêmula e seus lábios só puderam se curvar num sorriso fraco e trêmulo.

Mas sua mulher insistiu:

- Robbie não foi projetado para trabalho de construção e engenharia. Ele não seria de utilidade alguma aqui. Você fez com que eles o colocassem aqui, deliberadamente, de modo que Glória pudesse encontrá-lo. Você sabe que estou certa.

- Sim, eu fiz isso - disse Weston. - Mas, Grace, como eu podia saber que esta reunião seria tão violenta? E Robbie salvou a vida dela, você tem que admitir isso. Não pode mandá-lo embora de novo.

Grace Weston considerou. Ela se virou para Glória e Robbie e os observou pensativa por um momento. Glória segurava o pescoço do robô de um modo que teria asfixiado qualquer cria-tura que não fosse de metal, e estava falando tolices de um modo meio histérico. Os braços de aço cromado de Robbie (capazes de entortar uma barra de ferro de duas polegadas até formar uma rosca) envolviam a menina de um modo suave e amoroso, seus olhos brilhando um vermelho profundo.

- Bem - disse a senhora Weston finalmente - eu acho que ele pode ficar conosco até enferrujar.

Susan Calvin encolheu os ombros.

- É claro que ele não ficou. Isso aconteceu em 1998. Por volta de 2002 nós tínhamos inventado um robô móvel falante que, naturalmente, tornou obsoletos todos os modelos sem voz. E isso foi a última gota para o movimento anti-robô. A maioria dos governos do mundo proibiu o uso de robôs na Terra para qualquer propósito que não fosse da pesquisa científica entre 2003 e 2007.

- De modo que Glória teve que desistir do Robbie.

- Temo que sim. Eu imagino, contudo, que foi mais fácil para ela se separar dele com 15 anos do que com 8. Mesmo assim, foi uma atitude estúpida e desnecessária da parte da humanidade. A U.S.Robôs estava no seu maior declínio, financeiramente, quando eu entrei aqui, em 2007. No início eu pensei que meu emprego poderia acabar em questão de meses, mas então nós simplesmente desenvolvemos o mercado extraterrestre.

- E então vocês estavam preparados, é claro.

- Não exatamente. Nós começamos tentando adaptar os modelos que tínhamos em mãos. Os primeiros modelos falantes, por exemplo. Eles tinham uns três metros e sessenta de altura, eram muito desajeitados e não muito bons. Nós os mandamos para Mercúrio, para ajudar a construir a estação de mineração lá, mas eles falharam.

Olhei para ela surpreso.

- É mesmo? Por quê? As minas de Mercúrio são um negócio de bilhões de dólares.

- Agora, mas foi a segunda tentativa que teve sucesso. Se quer saber os detalhes, meu jovem, eu o aconselho a procurar Gregory Powell. Ele e Michael Donovan cuidaram dos nossos casos mais difíceis nos anos 2010 e 2020. Eu não tenho notícias de Donovan há anos, mas Powell mora aqui em Nova York. Ele é avô agora, o que é uma coisa difícil de se acostumar. Eu só consigo pensar nele como um rapaz bem jovem. Mas é claro que eu era jovem também.

Tentei fazê-la continuar falando.

- Se me fornecer o básico, doutora Calvin, eu posso pedir a Powell que preencha os detalhes depois.(Isso foi exatamente o que eu fiz.)

Ela colocou suas mãos magras sobre a mesa e olhou para elas.

- Existem dois ou três que eu conheço um pouco.

- Comece por Mercúrio - eu sugeri.

- Bom, eu acho que foi em 2015 que a segunda expedição a Mercúrio foi enviada. Era uma missão exploratória, financiada em parte pela U.S. Robôs e em parte pela Solar Minerals. Ela consistia num novo tipo de robô, ainda experimental; Gregory Powell, Michael Donovan...



Isaac Asimov in  Eu, Robô