segunda-feira, 10 de maio de 2010

Friedrich Nietzche, O Anticristo



O Anticristo
Prólogo


Este livro destina-se aos homens mais incomuns. Talvez nenhum deles sequer ainda viva. É possível que sejam esses os que compreendem o meu Zaratustra... Como poderia eu misturar-me àqueles para os quais se presta ouvidos atualmente? Só o depois-de-amanhã me pertence. Algumas pessoas nascem póstumas.


Conheço muito bem as condições em que alguém me compreende, aquelas sob as quais sou necessariamente compreendido. Há que ser íntegro às últimas conseqüências nas coisas de espírito para agüentar a minha seriedade e a minha paixão; estar afeito a viver nas montanhas, a ver abaixo de si o mesquinho charlatanismo atual da política e do egoísmo dos povos. É importante ter-se tornado indiferente, é preciso nunca perguntar se a verdade é útil, se chegará a ser uma fatalidade... Necessária é também uma preferência da força por questões a que hoje ninguém se atreve: a coragem para o proibido; a predestinação para o labirinto. Uma experiência de sete solidões. Ouvidos novos para uma nova música. Olhos novos para o mais longínquo. Uma consciência nova para verdades que, até hoje, permaneceram mudas. E uma vontade de economia de grande estilo: reter conjuntamente a sua força, o seu entusiasmo... O respeito por si mesmo, o amor-próprio, a liberdade incondicional para consigo...


Pois bem, só esses são os meus leitores, os meus autênticos leitores, os meus predestinados leitores: que importa o resto? O resto é simplesmente a Humanidade. Há que ser superior à humanidade em força, em grandeza de alma – e em desprezo...




Friedrich Nietzche, O Anticristo