quinta-feira, 27 de maio de 2010

Irvin D. Yalom, Quando Nietzsche Chorou


Notas de Friedrich Nietzsche sobre o doutor Breuer
- De 16 de dezembro de 1882

Um passeio que começou à luz do sol e terminou no escuro. Talvez penetrássemos longe demais no cemitério. Deveríamos ter voltado mais cedo? Forneci a ele um pensamento poderoso demais? O eterno retorno é um martelo potente. Quebrará quem ainda não está preparado para ele.
Não! Um psicólogo, um decifrador de almas, precisa de dureza mais do que qualquer outro. Senão, inchará de piedade. E seu aluno se afogará em águas rasas.
Contudo, no final de nosso passeio, Josef parecia terrivelmente oprimido, mal conseguindo conversar. Alguns não nasceram rijos. Um verdadeiro psicólogo, à semelhança do artista, deve amar sua palheta. Talvez mais gentileza, mais paciência fosse necessária. Estarei desnudando antes de ensinar a tecer novas roupas? Ter-lhe-ei ensinado a “liberdade de” sem ensinar a “liberdade para”?
Não, um guia deve ser uma amurada na torrente, nas não deve ser uma muleta. O guia deve desvendar as trilhas que se estendem diante do discípulo. Mas não deve escolher o caminho.
“Torna-te meu mestre” – ele suplica. “Ajuda-me a superar o desespero.” Devo esconder minha sabedoria? E a responsabilidade do discípulo? Ele tem que se calejar para o frio, seus dedos devem agarrar a amurada, ele deve se perder muitas vezes por sendas erradas antes de achar a correta.
Nas montanhas, sozinho, percorro a nota mais curta – de um pico para o outro. Mas os discípulos se perdem quando caminho muito na frente. Preciso aprender a diminuir meu passo. Hoje, talvez viajamos rapidamente demais. Deslindei um sonho, separei uma Bertha da outra, reenterrei os mortos e ensinei a morrer na hora certa. E tudo isso não passou de prelúdio para o poderoso tema do retorno.
Tê-lo-ei empurrado fundo demais para dentro da lição? Muitas vezes, ele parece perturbado demais para me ouvir. Entretanto, o que desafiei? O que destrui? Tão-somente valores vazios e crenças oscilantes! Aquilo que é oscilante deve ser empurrado!
Hoje entendi que o melhor mestre é aquele que aprende com seu discípulo. Talvez ele esteja certo sobre meu pai. Quão diferente seria minha vida se eu não o tivesse perdido! Será verdade que martelo com tanta força porquanto o o odeio por ter morrido? E martelo tão alto porque ainda anseio por um público?
Preocupa-me seu silêncio final. Seus olhos estavam abertos, mas ele parecia não enxergar. Ele mal respirava.
Todavia, sei que o orvalho cai mais abundantemente quando a noite é mais silente.

 Irvin D. Yalom, Quando Nietzsche Chorou