sábado, 8 de maio de 2010
Irvin D. Yalom, Quando Nietzche Chorou
... Imediatamente, fui atraída por Nietzsche. Não é um homem fisicamente imponente: altura média, com uma voz gentil e olhos que não piscam e que olham pra dentro e não para fora, como se estivesse protegendo algum tesouro interior. Eu ainda não sabia que ele perdera três quartos da visão. Não obstante, havia nele algo de extraordinariamente irresistível. As primeiras palavras que me disse foram: "De que estrelas caímos aqui um para o outro?". Então nós três começamos a conversar. E que conversa! Por algum tempo pareceu que as esperanças de Paul de que nos tornássemos amigos ou de que Nietzsche se tornasse seu mentor se concretizariam. Intelectualmente, formávamos o par perfeito. Nossas mentes se entrelaçavam: ele disse que tínhamos almas gêmeas de irmão e de irmã. Ah! Ele leu em voz alta as jóias de seu último livro, musicou meus poemas, revelou-me o que iria oferecer ao mundo durante os próximos dez anos; acreditava que sua saúde não lhe concederia mais de uma década.
- Logo Paul, Nietzsche e eu decidimos que viveríamos os três. (...)
Um relacionamento a três! Breuer pigarreou e se mexeu inquieto em sua cadeira. Viu-a sorrindo por seu embaraço. Não haverá nada que ela não observe? Que diagnosticadora essa mulher poderia ser!Terá alguma vez considerado uma carreira médica? Seria possível, como minha aluna? Minha protegida? Trabalhando ao meu lado no consultório, no laboratório? Essa fantasia tinha poder, poder real - mas as palavras dela arrancaram Breuer da fantasia.
- Sim, sei que o mundo não sorri ante dois homens e uma mulher vivendo castamente juntos. - Ela acentuou "castamente" de forma magnífica, com ênfase bastante para deixar as coisas claras, mas com brandura suficiente para evitar uma repreeensão - mas somos idealistas livre-pensadores que rejeitamos restrições socialmente impostas. Acreditamos em nossa capacidade de criar nossa própria estrutura moral.
Irvin D. Yalom, Quando Nietzche Chorou