sábado, 3 de abril de 2010

Luigi Pirandello, O falecido Mattia Pascal


A primeira vez que me aconteceu encontrar-me com um livro nas mãos, apanhado ao acaso, sem dar por isso, numa das estantes, tive um calafrio de horror. Com que, então, eu me reduziria, como Romitelli, a sentir-me na obrigação de ler, eu, bibliotecário, por todos os que não vinham à biblioteca? E arremessei o livro ao chão. Mas, depois, tornei a apanhá-lo; e – sim, senhores – pus-me a lê-lo, eu também, e também somente com um olho, porque o outro não queria saber disso.
Li, assim, um pouco de tudo, desordenadamente; mas, especialmente, livros de filosofia. São muito pesados; entretanto, quem deles se alimenta, imbuindo-se em seu conteúdo, vive nas nuvens. Desarranjaram ainda mais meu cérebro, já por si extravagante. Quando ficava com a cabeça zonza, fechava a biblioteca e ia, por uma íngreme senda, até uma nesga de praia solitária.
A vista do mar punha-me num estado de atônito pavor, que, aos poucos, tornava-se intolerável opressão. Sentava-me na praia e evitava olhar para ele, baixando a cabeça; mas ouvia-lhe, ao longo da costa toda, o estrondo, enquanto, lentamente, deixava escorregar entre meus dedos a areia densa e pesada, murmurando:
- Assim, sempre, até a morte, sem nenhuma mudança, nunca...
A imobilidade da condição da vida que eu levava sugeria-me, então, pensamentos inopinados estranhos, quase que lampejo de loucura. Erguia-me num pulo como que para sacudir essa loucura de cima de mim, e punha-me a passear à beira da água; mas via, então, o mar mandar, sem tréguas, suas vagas cansadas e sonoletas para a praia; via aquelas areias abandonadas; e bradava com raiva, sacudindo os punhos:
- Mas por quê? Por quê?
E molhava os pés.
Talvez o mar alongasse um pouco mais alguma onda com o objetivo de me censurar:
_Estás vendo, meu caro, o que se ganha em perguntar certos porquês? Molha os pés. Volte para a sua biblioteca! Água salgada estraga os sapatos; e dinheiro para jogar fora é o que não tem.Volte para sua biblioteca e deixe os livros de filosofia;...

Luigi Pirandello, O falecido Mattia Pascal