sexta-feira, 16 de abril de 2010

A noite num salão


Para ser interpretada pela voz, como para ser inteiramente sentida, a poesia exige uma atenção religiosa. Deve estabelecer-se entre o leitor e o auditório uma íntima comunicação, sem o que não se produzem as elétricas transmissões dos sentimentos. Falte essa coesão de almas, e o poeta se encontra então como um anjo tentando cantar um hino celeste em meio dos motejos do inferno. Ora, na esfera em que se desenvolvem suas faculdades, os homens de inteligência possuem a visão circular do caracol, o faro do cão e o ouvido da toupeira. Vêem, cheiram, ouvem tudo a seu redor. O músico e o poeta sabem-se tão imediatamente admirados ou incompreendidos, como uma planta revive ou seca em atmosfera amiga ou inimiga. Os murmúrios dos homens que haviam vindo apenas por causa de suas mulheres, e que falavam de seus negócios, repercutiam nos ouvidos de Lucien pelas leis dessa acústica particular, assim como via os hiatos simpáticos de algumas mandíbulas violentamente entreabertas, e cujos dentes o afrontavam. Ao procurar, tal como a pomba do dilúvio, um canto favorável onde seu olhar pudesse pousar, só encontrava os olhos impaciente de pessoas que pensavam evidentemente aproveitar-se da reunião para tratar de alguns interesses positivos. Com exceção de Laure de Rastignac, de duas ou três pessoas moças e do bispo, todos os assistentes se aborreciam. Com efeito, os que compreendem a poesia procuram desenvolver em sua alma aquilo que o autor pôs em germe nos seus versos; aqueles ouvintes frios, porém, longe de aspirar a alma do poeta, nem sequer ouviam suas inflexões. Lucien sentiu então um desânimo tão profundo, que um suor frio molhou-lhe a camisa. Um olhar de fogo, lançado por Louise, para a qual se voltou, deu-lhe coragem para ir até o fim; mas seu coração de poeta sangrava por mil feridas.


Honoré de Balzac, Ilusões Perdidas