quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

 Serge Marchemikova 

Não adormeças:o vento ainda assobia no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já.Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste,da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas;e das ervas mais úmidas e chãs
com que em casa se cozinhavam perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.

O meu corpo gela à míngua dos teus dedos,o sol vai
demorar-se a regressar.Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que,se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu sonho
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.


Maria do Rosário Pedreira, in Poesia reunida