sábado, 12 de dezembro de 2009




“Vós outros andais muito solícitos em redor do próximo, e manifestai-o com belas palavras. Mas eu vos digo: o vosso amor ao próximo é vosso meu amor a vós mesmos.

Fugis de vós em busca do próximo, e quereis converter isso numa virtude; mas eu compreendo o vosso “desinteresse”.

O Tu é mais velho do que Eu; o Tu acha-se santificado, mas o Eu ainda não. Por isso o homem anda diligente atrás do próximo.

Acaso vos aconselho o amor ao próximo? Antes vos aconselho a fuga do “próximo” e o amor ao remoto!

Mais elevado que o amor ao próximo é o amor ao longínquo, ao que está por vir, mais alto ainda que o amor ao homem coloco o amor às coisas e aos fantasmas.

Esse fantasma que corre diante de vós, meus irmãos, é mais belo que vós. Por que lhe não dais a vossa carne e os vossos ossos? Mas tende-lhes medo e fugis à procura do vosso próximo.

Não vos suportais a vós mesmos e não vos quereis bastante; desejaríeis seduzir o próximo por vosso amor e dourar-vos com a sua ilusão.

Quisera que todos esses próximos e seus vizinhos se vos tornassem insuportáveis; assim teríeis que criar para vós mesmos o vosso amigo e o seu coração fervoroso.

Chamais uma testemunha quando quereis falar bem de vós, e logo que a haveis induzido a pensar bem da vossa pessoa, vós mesmos pensais bem da vossa pessoa.

Não só mente o que fala contra a sua consciência, mas sobretudo o que fala com a sua inconsciência. E assim falais de vós no trato social, enganando o vizinho.

Fala o louco: “O trato com os homens exaspera o caráter, principalmente quando o não temos”.

Um vai após o próximo, porque se procura; o outro porque se quisera esquecer.

A vossa malquerença com respeito a vós mesmos converte a vossa soledade num cativeiro.

Os mais afastados são os que pagam o nosso amor ao próximo, e quando vós juntais cinco, deve morrer um sexto.

Também me não agradam as vossas festas; encontrei nelas demasiados cômicos e os mesmos espectadores se conduzem frequentemente como cômicos.

Não falo do próximo; falo só do amigo. Seja o amigo para vós a festa da terra e um pressentimento do Super-homem.

Falo-vos do amigo e do seu coração exuberante. Mas é preciso saber ser uma esponja quando se quer ser amado por corações exuberantes.

Falo-vos do amigo que leva em si um mundo disponível, um envólucro do bem — do amigo criador que tem sempre um mundo disponível para dar.

E como se desenvolveu o mundo para ele, assim se envolve de novo: tal é o advento do bem pelo mal, do desígnio pelo acaso.

Sejam o porvir e o mais remoto a causa do vosso hoje; no vosso amigo deveis amar o Super-homem, como razão de ser.

Meus irmãos, eu não vos aconselho o amor ao próximo; aconselho-vos o amor ao mais afastado”.

Assim falava Zaratustra.


Friedrich Nietzsche, Assim falava Zaratustra