terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Aforismo 4 - O que conserva a espécie



Até hoje, foram os espíritos mais fortes e os espíritos mais malignos que obrigaram a humanidade a fazer mais progressos: inflamaram constantemente as paixões adormecidas – todas as sociedades policiadas as adormecem – eles despertaram constantemente o espírito de comparação e de contradição, o gosto pelo novo, pelo arriscado, pelo inexperimentado; obrigaram o homem a contrapor opiniões a opiniões, modelos a modelos. As mais das vezes pelas armas, derrubando os marcos fonteiriços, violando as crenças, mas também como novas religiões novas morais! A “maldade” que se encontra em todos os professores do novo, em todos os pregadores de coisas novas, é a mesma que desacredita o conquistador, se bem que ela se exprime com maior finura e não mobilize imediatamente o músculo – o que faz com que desacredite com menos força! – o novo, em todas as circunstâncias, é o mal, pois é aquilo que deseja conquistar, derrubar os marcos fronteiriços, abater as antigas crenças, somente o antigo é o bem! Os homens de bem em todas as épocas, são aqueles que implantam profundamente as velhas idéias para lhes dar fruto, são os cultivadores do espírito. Mas todo o terreno acaba por se esgotar, é preciso sempre que o arado do mal volte. Existe agora uma teoria da moral, uma doutrina fundamentalmente errada, que conhece uma grande vaga na Inglaterra: de acordo com ela, os juízos de “bem” e “mal” exprimem um total de experiências relativas ao que é “oportuno”, e ao que é “inoportuno”, que se chama “bem” ao que conserva a espécie, e “mal” àquilo que a prejudica. Todavia, os maus instintos são na realidade tão apropriados ao fim, tão úteis à conservação da espécie e tão indispensáveis quanto os bons: somente a sua função é diferente.

Friedrich Nietzsche in A Gaia Ciência