O Leito Conjugal - (2)
Se, em nossa sociedade, a possessão da mesma mulher por dois homens foi considerada criminosa é porque religião e hipocrisia quiseram ver no amor nódoa, vergonha, ato dúbio executado nas trevas. Mas, por que não considerar o amor – o que, para mim, todo homem digno desse nome deve fazê-lo – como o mais elevado mistério humano? Não tenhais, pois, a ilusão de poluir u’a mulher, injuriá-la, sujar-vos vós mesmos possuindo-a, e então, vos sentireis mais próximos, pela comunidade de vosso amor. [...] – Nada ficou do antigo edifício social que nossos pais conheceram. E é preciso que, neste que se forma sobre entulhos, se procure purificar os costumes, não os restingindo pela hipocrisia, mas penetrando-os de maior franqueza, mais ar, mais liberdade. A moral individual vai substituir a moral comum. No futuro será apenas à sua consciência que cada um dará o direito de julgar seus atos. Vejo nascer um novo amor, reabilitado, livre do último estigma da maldição lançada contra a primeira mulher. Um amor que estreitará os laços comuns, amor isento de ódio, amor que nos fará, efêmeras criaturas humanas, sentir estremecer em nós a levedura misteriosa da mais alta humanidade. [...] Agirei à minha vontade, consoante o meu sonho, e veremos se tereis a força de seguir-me. Se falharmos, outros virão depois de nós. De qualquer maneira, porém, em dia que se aproxima, a mulher será igual ao homem no amor; e este sentimento que nos enobrece, nos faz criadores, será retirado definitamnte da lama, do ludibrio onde o mantinham até aqui.
E, tendo lançado sobre eles um último olhar e lido a sua ternura e o próprio domínio, saiu da sala, o coração transbordando do tumulto de seus amores ameaçados, que já agora aligeirava um sopro de juvenil e audaz esperança.
Nicolas Ségur