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| Abbas Kiarostami | 
Chove? Nenhuma chuva cai... 
Então onde é que eu sinto um dia
Em que o ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia?
Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te de meu...
E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...
E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.
Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...
Os céus da tua face, e os derradeiros 
Tons do poente segredam nas arcadas... 
No claustro seqüestrando a lucidez 
Um espasmo apagado em ódio à ânsia 
Põe dias de ilhas vistas do convés 
No meu cansaço perdido entre os gelos, 
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância... "
Fernando Pessoa
