domingo, 25 de outubro de 2009

Bruna Lombardi, Diário do Grande Sertão


Quarta, 12


Ambiguidade.
Noções de.
Me reservo o direito de ser contraditória e sei que isso me enriquece
Anoto no meu caderno: o conflito é o interessante, o dramático. Quem quer ouvir uma história sem conflito?
E no entanto, na história da nossa vida, estamos sempre tentando anular o conflito.

Madrugada

Corri sério risco de conhecer a vida só através de livros, filmes. Embareava dentro de tudo que lia e pirava, via um filme e entrava em órbita. Forte tendência a buscar na literatura a única realidade.


Fanática pela ficção. Desde criança. Me lembro que achava um tesão os contos de Andersen e dos irmãos Grimm que minha mãe lia antes de eu dormir.
Me lembro quando troquei A Náusea do Sartre pelo Sexus de Miller e acho que quem troca a náusea pelo sexo está fora de perigo.
Se não fosse o teatrinho que inventei embaixo da escada, os beijos escondidos no irmão da minha amiga, acho que eu não teria descoberto a dinâmica, o movimento, a dança, o contato, a surpresa dos sentidos. Uma vida vivida em vez de uma vida pensada.
Decididamente o prazer me salvou.

Quinta-feira

Ambiguidade. Ambiguidade. Ambiguidade.
Novas Noções.
Ontem falei do prazer num lugar onde teoricamente o prazer não existe. Vivemos as mais precárias condições, total provação, misto de monastério, exército, prisão. Grandes batalhas. Comportamento estóico. Nessa brusca privação de todos os prazeres há de existir escondido algum fruto. A face de Deus.

“As pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas”

Sem dúvida, alguns caminhos levam à religiosidade. O Caminho de San Tiago. Nossa formação cristã tenta se equilibrar entre culpa e pecado.
O sofrimento se equipara à recompensa. Sou das que acreditam religiosamente no caminho do prazer.
No fundo, para alguma coisa útil contribuiu essa formação católica, fundamental pra nossa conduta de medos, culpas, neuras, dramas, pesos, castigos, crimes secretos.


Bruna Lombardi,  Diário do Grande Sertão