domingo, 13 de setembro de 2009

João e o trem


João pegava todo o dia o mesmo trem. Sempre antes do sol acordar, às 4h46. Via todos com cara de sono entrando, sentando, dormindo, levantando assustados e saltando da composição para ir trabalhar. Mas ele não. Ele ia contente, ia de pé, ia sentado, ia lá na frente, do lado esquerdo, do lado direito, ia lá atrás. Cada dia em um lugar diferente. E a viagem era sempre nova pra ele. Jamais lia durante o trajeto. Jamais espiava o jornal dos outros. Jamais bisbilhotava conversa alheia. João era um tremendo curioso, mas se saciava com o que estava do lado de fora do vagão, com a natureza que embelezava o trajeto inteiro. Via o sol espreguiçar e tingir tudo de colorido. Via a chuva dar banho na ferrovia, nas árvores e nos passarinhos. Via revoadas, via cada dia um rio diferente passando pelo mesmo lugar. Via rebanhos pastando ao longe, cães malandros brincando de acompanhar o trem. Via nuvens fazendo cara de coisas que ele conhecia, e outras que tentava adivinhar o que poderia ser. Via seu reflexo ficar embaçado até escorrer, de tão perto que ficava da janela. João era pedreiro vivido. Era filósofo sem estudo fazendo poesia de dentro do trem.

Rogério Rothje