quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Beatnick Generation

"Geração louca! Jogados nos rochedos do tempo! Verdadeiro riso santo no rio! Eles viram tudo! O olhar selvagem! Os berros sagrados! Eles deram adeus! Pularam do telhado! Rumo à solidão! Acenando! Levando fores! Rio abaixo! Rua acima!"

"Que esfinge de cimento e alumínio arrombou seus crânios e devorou seus cérebros e imaginação? Solidão! Sujeira! Fealdade! Latas de lixo e dólares inatingíveis! Crianças berrando sob as escadarias! Garotos soluçando nos exércitos, velhos chorando nos parques! "

"Vício e sofrimento. Como doenças de loucos, encefalites insanas por dentro do cérebro onde você destrói sua saúde de propósito para agarrar uma sensação de débil satisfação química que não tem qualquer base em coisa alguma além da mente-pensante"

"Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa..."



Hal Chase, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs

Contracultura e rebeliões juvenis dos anos 50, 60 e 70. Suas obras romperam com o beletrismo, o exacerbado formalismo que dominava a criação poética e o ambiente acadêmico, e com seu correlato o bom-mocismo da sociedade. Resgataram uma relação que já existia em Whitman, nos românticos, em Rimbaud, mas que havia sido deixada de lado.

Na perspectiva atual é até difícil avaliar o quanto a rebelião Beat foi importante, qual a extensão de sua contribuição para a formação de uma nova ideologia, uma percepção do mundo e do homem da qual fazem parte a ampliação e o enriquecimento da liberdade individual e a superação de divisões e modos de repressão. Até hoje não só o conservadorismo arcaico, mas um determinado tipo de intelectualismo blasê, pseudomoderno, insistem em mostrar a produção Beat como espontaneísmo inculto, brincadeira ou selvageria extraliterária. Reduzindo-a ao comportamental, negam seu valor, fecham os olhos para sua densidade.

O termo "Beat" vinha sendo utilizado sistematicamente por Huncke, que esclamava:  "I am beat", algo como "estou ferrado". Holmes difundiu o termo em Go, de 1952, quando também publicou a primeira matéria na imprensa sobre uma "Beat Generation", no New York times. Beat também significa a batida rítimica do jazz. Contém a idéia de beatitude, palavra-chave do repertório de Kerouac. Beatnick, no mesmo sentido, é um termo depreciativo, criado pela mídia.

Jack Kerouac - principais obras: On the road, The subterraneans, Tristessa
William Seward Burroughs - Naked Lunch
Neal Cassady - The first third
Allen Ginsberg - Uivo

Allen Ginsberg (Uivo)

GARATUJA Rexroth - "Seu rosto refletindo a cansada bem-aventurança humana/ cabelo branco, sobrolho vincado /bigode tagarela/flores jorrando/da cabeça triste,/ouvindo Edith Piaf e suas canções de rua/enquanto ela passeia com o universo/e toda a sua vida que passou/ e as cidades que despareceram / só ficou o Deus do amor sorrindo"

FRAGMENTO 1956 - "Agora, para a chegada do poema, que eu seja digno dele/ e cante/ e santamente o pathos natural da alma humana,/ a pele nua e original sob nossos sonhos/ e roupagens do pensamento, a própria identidade perfeita / radiante de paixões e rostos intelectuais/ Quem carrega as linhas, a dolorosa contorção/ enrugada sobre os olhos, o corpo todo/ respirando e sensível entre flores e prédios/ de olhos abertos, autoconsciente, trêmulo de amor - alma que eu tenho, que Jack tem, Huncke tem,/ Bill tem, Joan tinha e ainda tem na minha lembança,/ que o vagabundo tem em seus trapos o louco em sua roupa preta./Almas idênticas umas às outras, assim como parado na /esquina há dez anos atrás eu olhei para Jack /e lhe disse que éramos a mesma pessoa - olha /em meus olhos e fala consigo mesmo, isso me torna o /amante de todo mundo, Hal meu contra sua vontade,/ eu já tinha sua alma em meu corpo quando /ele olhava zangado - junto ao lampião da 8a. Avenida e 27a./Rua em 1947 - eu acabara de voltar da África./
com um vislumbre da visão que na verdade /viria para mim a seu tempo assim como viria para todos/ - Jack /o pior assassino,  Allen o maior covarde/ com uma faixa de amor amarelo atravessando /meus poemas, uma bicha da cidade, Joe Army gritando /de aflição na prisão de Dannemora em 1945, /quebrando os brancos nós de seus dedos nas grades, /seu triste companheiro parvo de cela levando porradas dos guardas /um assoalho de ferro por baixo, Gregory chorando em Tombs /Joan com olheiras sob os olhos de benzedrina /escutando a paranóia pela parede, /Huncke de Chicago sonhando nos Salões /do infernal Pokerino de luz azul na pele de Time Square,/o pálido rosto aos berros de Bill King na janela do metrô /debatendo-se no minuto final do vão da morte para voltar, /o próprio Morphy, arqui-suicida, esvaindo-se em sangue /no Passaic, trágico e perplexo nas suas /últimas lágrimas, atingindo a morte naquele instante/ humano, intelectual, barbudo, quem mais /seria ele nesse momento a não ser ele mesmo?"

SOBRE A OBRA DE BURROUGHS (1954)-" O método deve ser a mais pura carne /e nada de molho simbólico,/ verdadeiras visões e verdadeiras prisões /assim como vistas vez por outra. /Prisões e visões mostradas/ com raros relatos crus /correspondendo exatamente àqueles /de Alcatraz e Rose. /'Um lanche Nu ' nos é natural, /comemos sanduíches de realidade./ Porém alegorias não passam de alface. /Não escondam a loucura."

MENSAGEM (escrito em Paris, na fase do Beat Hotel) - "Desde quando mudamos/ transamos/conversamos trabalhamos/ choramos e mijamos junto/ eu acordo pela manhã /com um sonho nos meus olhos/ mas você partir para NY/ lembrando-se de mim Bom/eu te amo eu te amo/ e teus irmãos são loucos /eu aceito seus casos de bebedeira /há muito tempo tenho estado só /há muito tempo tenho estado na cama /sem ninguém a quem pegar no joelho, homem /ou mulher, tanto faz, eu /quero o amor nasci para isso quero você comigo agora /Transatlânticos fervem no oceano/ Delicados esqueletos de arranha-céus não terminados /A cauda do dirigível roncando sobre Lakehurst /Seis mulheres nuas dançando juntas num palco vermelho/ As folhas agora estão verdes em todas as árvores de Paris/ Chegarei em casa daqui a dois meses e olharei nos teus olhos."

PARA LINDSAY - "Vachel, as estrelas se apagaram /a escuridão caiu na estrada do Colorado /um automóvel se arrasta lento na planície /pelo rádio ressoa o changor do jaz na penumbra/ o inconsolável caixeiro viajante acende um cigarro. /Há 27 anos em outra cidade /eu vejo sua sombra na parede /você de suspensórios sentado na cama /a mão de sombra encosta uma pistola na sua cabeça /seu vulto cai no assoalho." 
Lindsay - Vachel Lindsay, poeta americano (1879-1931), autor de Congo Bombo, que viajou pelo país declamando seus textos. Suicidou-se tomando veneno; a pistola é licença poética, substituída por uma garrafa de Lisol (o veneno) na edição de 1984.

HINO - No mundo que ELE criou de acordo com sua vontade Bendito Louvado /Glorificado Celebrado Exaltado o Nome do Santificado /Bendito é ELE! /Na casa de Newark Bendito é ELE! Na casa dos loucos /Bendito é ELE! Na casa da Morte Bendito é ELE! /Bendito seja ELE na homossexualidade! Bendito seja ELE/ na Paranóia! Bendito seja ELE na cidade! Bendito seja /ELE no Livro! /Bendito seja ELE que mora na sombra! Bendito seja ELE!/Bendito seja ELE![ ... ]

CANÇÃO
"O peso do mundo é o amor.
Sob o fardo da solidão, sob o fardo da insatisfação
O peso o peso que carregamos é o amor.
Quem poderia negá-lo?
Em sonhos nos toca o corpo, em pensamentos constrói um milagre,
na imaginação aflige-se até tornar-se humano - sai pra fora do coração ardendo de pureza - 
pois o fardo da vida é o amor, mas nós carregamos o peso cansados e assim temos que descansar nos braços do amor finalmente temos que descansar nos braço do amor.
Nenhum descanso sem amor, nenhum sono sem sonhos de amor - quer esteja eu louco ou frio, obcecado por anjos ou por máquinas, o último desejo é o amor - não pode ser amargo não pode ser negado não pode ser contido quando negado: o peso é demasiado - deve dar-se sem nada de volta assim como o pensamento é dado na solidão em toda a excelência do seu excesso.[...] "


AMÉRICA - "... América, quando acabaremos com a guerra humana?/ Vá se foder com sua bomba atômica/ Não estou legal não me encha o saco/ Não escreverei meu poema enquanto não me sentir legal"

TRANSCRIÇÃO DE MÚSICA DE ÓRGÃO - "... A suave busca do crescimento, o gracioso desejo de existir das flores, meu quase êxtase de existir no meio delas. O privilégio de testemunhar minha própria existência - você também deve procurar o sol ... Meus livros empilhados à minha frente para meu uso aguardando no espaço onde os coloquei, eles não desapareceram, o tempo deixou seus restos e qualidades para que eu os usasse - minhas palavras empilhadas, meus textos, meus manuscritos, meus amores. Tive um lampejo de claridade. Vi o sentimento no coração das coisas, saí para o jardim chorando. Vi as flores vermelhas na luz da noite, o sol que se foi, todas elas cresceram em um momento e estavam aguardando paradas no tempo para que o sol do dia viesse e lhe desse ... Flores que num sonho ao anoitecer eu reguei fielmente sem perceber o quanto as amava. Estou tão só em minha glória - exceto por elas também lá fora - olhei par cima - essas inflorescências dos arbustos vermelhos acenando e despontando na janela à espera em cego amor, suas folhas também sentem esperança e estão com sua parte de cima virada para o céu para receber - toda criaçao aberta para receber - até a terra achatada. 
A música desce, assim como desce o pesado ramo cheio de flores, pois assim tem que ser, para continuar vivendo, para continuar até a última gota de alegria. O mundo conhece o amor no seu seio assim como na flor, o solitário mundo sofredor.[...] A porta do armário está aberta para mim, lá onde a deixei, e já que a deixei aberta, continuou graciosamente aberta. A cozinha não tem porta, o buraco que está lá me aceitará se eu quiser entrar na cozinha... [...] A porta da cozinha está aberta pra deixar o ar entrar ...... [...] Quero que as pessoas se inclinem ao ver-me e digam que ele recebeu o dom da poesia, ele viu a presença do Criador. E o Criador me deu um instante da sua presença para satisfazer meu desejo, para que eu não me desiluda no meu anseio de conhecê-lo"


UIVO- prolixo, além de torrencial. Foi escrito em 1955. Publicado em 1956 valeu um processo por pornografia. O escandalo associado ao impacto do lançamento de ON THE ROAD de Keruac, contribuiu para promover mundialmente a Geração Beat e transformá-la num mito moderno e movimento social.

Kaddish - explicitamente um canto fúnebre, questiona e tematiza a morte, levando a vida até seu limite, constantemente se depara com aquilo que estaria além desse limite.

O próprio livro serviu de fonte para publicação deste post.