quinta-feira, 4 de junho de 2009

Morris West, O Advogado do Diabo


"Não se pode por meio de argumentação levar um homem à fé. Se não houvesse mistério algum, não haveria necessidade de se ter fé."

"Eis aí o que o perturbava. Há vinte anos era sacerdote, voltado à afirmação de que a vida era uma imperfeição passageira, a terra um símbolo de seu criador, a alma uma coisa imortal na argila mortal a debater-se fatigada em busca de libertação nos braços acolhedores do Todo-Poderoso."

"A que se aferrava ele que já não tivesse havia muito, rejeitado? Uma mulher? Um filho? Uma família? Não havia criatura viva alguma que lhe pertencesse. Agora estava sentado ao sol, num banco de jardim, com o ar pleno de primavera e o futuro apenas uma breve, vazia perspectiva a derramar-se na eternidade. Que mérito poderia se computar e levar consigo para o Juízo Final? Que é que deixaria atrás de si, para que os humanos pudessem querer lembrar-se dele?"

"Não há paixão em sua vida. O Senhor nunca amou uma mulher, nem odiou um homem, nem sentiu piedade por uma criança. Apartou-se demasiado tempo e é, agora, um estranho no seio da família humana. Jamais pediu nada nem deu nada. Jamais conheceu a dignidade da privação, nem a gratidão de um sofrimento compartilhado com outrem. Eis aí, a sua enfermidade. Eis aí a cruz que o senhor talhou para as suas dúvidas, como também, os seus temores... pois um homem que não pode amar o seu semelhante, tampouco pode amar a Deus."

"Era uma estranha mistura de terrores: o medo da morte, a lástima da dissolução lenta, a turva solidão de um crente com presença de um Deus sem rosto que sabia ser invisível mas que logo deveria encontrar, esplêndido e sem véus, no dia do Juizo. Não podia fugir daqueles temores por meio do sono nem exorcizá-los por meio de prece, pois que que a prece se tornara um árido ato de vontade, que não conseguia abafar a dor, nem constituir um bálsamo para ela."

"Sua crença naufragou diante do mais difícil de todos os mistérios: o de que um Deus justo pudesse criar monstros e ainda esperar que vivessem como homens."

"O símbolo tinha um novo significado: a juventude pregada à cruz da ignorância, da superstição e da pobreza, morta e já condenada, mas ainda a sorrir, vítima estática, narcotizada, da época e de suas tiranias."

"A igreja quer um santo porque isso lhe proporciona mais um meio de influenciar o povo... Um novo vulto, uma nova promessa de milagres para fazer com que esqueçam suas dores de barriga. O povo o deseja porque isso lhe permite cair de joelhos e pedir favores em vez de enrolar as mangas e trabalhar por eles - ou lutar para obtê-los. É como a igreja costuma agir... açúcar para adoçar o vinho azedo."

"A igreja é uma teocracia governada por uma casta sacerdotal, da qual o senhor e eu somos membros. Temos uma linguagem própria - Uma linguagem hierática se quiser - formal, estilizada, admiravelmente adaptada a definições legais e teológicas. Infortunadamente, também temos uma retórica própria que, como retórica do político, diz muito e comunica pouco. Não somos políticos. Somos professores - professores de uma verdade que afirmamos ser essencial para a salvação do homem, contudo, como é que a pregamos? Falamos incessantemente de fé e esperança, como se estivéssemos sempre pregando uma forma cabalística de encantamento. Que é a fé? Um salto no escuro para as mãos de Deus. Um ato inspirado de vontade que constitui a nossa única resposta ao terrível mistério de saber de onde vimos e para onde vamos. Que é esperança? A confiança de uma criança na mão que a afastará dos terrores que avançam no escuro. Pregamos o amor e a fidelidade como se tratasse de assunto de mesa de chá... E não de corpos a contorcer-se numa cama e de palavras ardentes em lugares escuros, e de almas atormentadas pela solidão e levadas à comunhão momentânea de um beijo. Certas pessoas acreditavam em santos, mas nada queriam com eles. Achavam pouco confortável a companhia dos mesmos: suas virtudes constituiam perpétua censura."

"Não se pode cortar um homem pelo meio e polir-lhe a alma, enquanto lançamos o seu corpo a um monte de lixo. Se o Todo-Poderoso quisesse que assim fosse, teria feito dele um hóspede que carregasse sua alma num saco, em torno do pescoço. Se a razão e a revelação tem algum significado, é o de que o homem realiza a sua salvação no corpo, mediante o emprego de coisas materiais. Uma árvore maltratada, um fruto de segunda classe, são defeitos no plano divino da coisas. A miséria desnecessária é um defeito ainda maior, pois que constitui um obstáculo à salvação. quando não se sabe de onde virá a nossa próxima refeição, como é que se pode pensar ou preocupar-se com a situação de nossa alma? A fome não tem moral, meu amigo. Discordo de muita coisa que os meus colegas de Roma dizem e fazem correntemente. Não se trata de questões de fé, mas de disciplina, política, atitude. A graça é concedida, e não obtida por merecimento! Concedida a mendigos, e não comprada com a virtude!"


(sobre homossexualismo)

"Conheço todos os seus argumentos sobre a questão do uso e abuso do corpo. Deus o fez primeiro, para a procriação de crianças, e, depois, para o comércio amoroso entre homem e mulher. E ai termina o assunto. Todos os atos corporais devem estar de acordo com um fim e tudo o mais é pecado. O pecado, segundo a natureza, é um ato que vai além do instinto natural... como dormir com uma moça antes que casemos com ela, ou desejar a mulher alheia. Desejar um rapaz é, do mesmo modo, um pecado contra a natureza... - Mas, há aí um engano e é isso que quero que me explique. É a minha natureza? Eu nasci como sou. Tinha um irmão gêmeo. Visse o senhor o meu irmão, antes que ele morresse e teria visto o macho perfeito... talvez o macho excessivo, se assim o preferir. E eu? Não estava bem claro o que seria eu. Mas, dentro de pouco tempo, eu o soube. Fazia parte de minha natureza ser atraído mais pelos homens do que pelas mulheres. Não fui seduzido num banheiro coletivo, nem enganado, por meio de palavras pérfidas, num bar. Sou o que sou. Não o posso mudar. Não pedi para nascer. Não pedi para nascer assim... e só Deus sabe o quanto tenho sofrido por causa disto. Mas quem me fez? Segundo o senhor - Deus! O que desejo e o que faço são coisas que estão de acordo com a natureza que Ele me deu...
- Olhe para o senhor! É um sacerdote. E sabe muitíssimo bem que se eu dispusesse, nesse momento a seduzir uma jovem, em lugar de um jovem, o senhor adotaria uma opinião inteiramente diferente. Não aprovaria, certamente! E me faria um sermão sobre fornicação e tudo mais. Mas não se sentiria assim tão desgostoso, seria normal!... de acordo a natureza! Mas eu não sou feito assim. Deus não me fez assim. Mas será que, por isso, necessito menos de amor, tenho menos necessidade de satisfação? tenho, acaso, menos direito de viver contente, apenas porque o Todo-Poderoso se enganou com uma das engrenagens de sua criação?... Devo, acaso, manetar-me, ou dedicar-me ao badumgton e esperar até que façam de mim um anjo do céu, onde há mais necessidade dessas coisas?... sinto-me solitário! tenho necessidade de amor, como qualquer outro homem! Da minha espécie de amor! Devo viver, até morrer, numa cela acolchoada?"


Morris West, O Advogado do Diabo