sexta-feira, 15 de maio de 2009


Ilustração de Marcel Rieder.


Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.

Não florescem no inverno os arvoredos,

Nem pela primavera

Têm branco frio os campos.

À noite, que entra, não pertence, Lídia,

O mesmo ardor que o dia nos pedia.

Com mais sossego amemos

A nossa incerta vida.

À lareira, cansados não da obra

Mas porque a hora é a hora dos cansaços,

Não puxemos a voz

Acima de um segredo,

E casuais, interrompidas, sejam

Nossas palavras de reminiscência

(Não para mais nos serve

A negra ida do Sol) —

Pouco a pouco o passado recordemos

E as histórias contadas no passado

Agora duas vezes

Histórias, que nos falem

Das flores que na nossa infância ida

Com outra consciência nós colhíamos

E sob uma outra espécie

De olhar lançado ao mundo.

E assim, Lídia, à lareira, como estando,

Deuses lares, ali na eternidade,

Como quem compõe roupas

O outrora compúnhamos

Nesse desassossego que o descanso

Nos traz às vidas quando só pensamos

Naquilo que já fomos,

E há só noite lá fora.


Ricardo Reis (Heterônimo de Fernando Pessoa) , in “Odes”