segunda-feira, 9 de março de 2009
Depois da Passarela
Faz-se necessária dissimulação nas relações com as pessoas que têm pudor de seus sentimentos; elas têm um ódio repentino se vos apanham em flagrante delíto de ternura, de entusiasmo ou de nobreza como se tivéssemos violado os seus segredos. Querendo fazer-lhes bem nesse momento, fazei-as rir ou tratai de lhes sugerir, divertidamente, alguma fria maldade: seu humor gela e recobram o domínio de si. Mas estou dando a moral antes de contar a história. Estivemos uma vez tão próximos um do outro na vida que nada mais parecia entravar a nossa amizade e fraternidade, e havia entre nós somente uma estreita passarela a transpor. Exatamente no momento em que tu ias pisá-la, perguntei-te: "Queres passá-la para vires até mim?". Mas, nessa altura, não quiseste. E quando voltei a fazer o meu pedido, calaste-te. Desde então lançaram-se entre nós montes e torrentes, tudo o que separa e torna estranho um ao outro, de tal maneira que não poderíamos voltar a nos juntar mesmo que o quiséssemos! Mas quando recordas agora essa pequena passarela de outrora, não encontras mais palavras a dizer,... somente soluços e espantos.
Friedrich Nietzsche